Wtf Mr. Aronofsky! Foi essa exclamação que me assaltou no final do muito aguardado Mother!, exibido em competição para o Leão de Ouro. No entanto, só se os deuses estiverem mesmo loucos é que esse prémio poderia ser considerado, já que o cineasta se envolve numa proposta da qual cedo percebemos que não sabe como resolver. A certa altura, a personagem de Jennifer Lopez diz à turba que invadiu a sua casa: you should leave! Mas a resposta parece ser também segredada pelo próprio Darren: but where should i go?
Sim, Mother! é mesmo mauzinho como filme. Desde logo, porque não sabe por onde deve ir. A não ser seguir o caminho do pesadelo inconsequente. Mas Aronofsky sempre gostou do excesso e de nos perder. Lembremos Pi ou A Vida Não é um Sonho, talvez o seu melhor filme, mas também os falhanços esotéricos de O Último Capítulo e o mais recente Noé. De resto na sessão de imprensa a que assistimos os primeiros aplausos foram logo silenciados por um coro de apupos. É claro que isso tem apenas o valor de uma singela manchete. Até porque o excesso desbragado em que resulta o início simpático acaba por conquistar também inúmeros fãs de emoções fortes, excesso e histeria. Nesse sentido, a tal derrapagem pelo horror já entrando no domínio do surreal, fez-nos até lembrar um filme que tem estado guardado até agora – e que terá estreia na próxima semana -, que se chama Arranha-Céus, do britânico Ben Wheatley, que vimos em San Sebastian vai agora fazer dois anos e que faz um bom serviço da complicada obra de J.G. Ballard. Digamos que este pesadelo de Aronofsky fica bem aquém.
O filme abre com um casal que procura reerguer a casa que arrasada por um incêndio. Melhor, ela (Lawrence) dedica todo o seu carinho aos primores da bricolage e pintura, enquanto que ele (Bardem) vive a hesitação do writers block. Sem ideias para passar para o papel acaba por negligenciar também esta jovem que não recebe a devida atenção. A vida torna-se bem mais interessante, ou agitada, desde que recebem em casa a visita de um suposto fã do anterior livro do marido. É um Ed Harris num papel que talvez pudesse trocar com Bardem, mas que Aronofsky terá apreciado esta inversão, já que se torna mais à vontade na casa dos anfitriões, sobretudo depois de receber também a mulher, num regresso divertido de Michelle Pfeiffer quase a reeditar um papel de bruxa (mas não de Eastwick).
No entanto, uma das personagens centrais acaba mesmo por ser a casa, o que parece um corpo com alguma vida – e que nos fez lembrar a bastante razoável animação A casa Fantasma, de Gil Kenan, de 2006, em que o imóvel assume uma dimensão orgânica. Algo semelhante se passa também nesta casa. Começa com os ruídos escutados por Jennifer, pequenas feridas, sangue que escorre pelas paredes, um buraco no chão que parece uma vagina ensanguentada. Enfim.
O problema deste filme é que a certa altura a dita casa é invadida pela família destes desconhecidos e depois por sucessivas turbas de gente, para louvar o autor que pariu uma obra-prima e que se converte num deus vivo. É claro que antes desse delírio, a entrada de desconhecidos e a sua ligação à casa até nos fez recordar Buñuel e O Charme Discreto da Burguesia, bem como O Anjo Exterminador, só que, bem depressa essa recordação é afastada, com a mesma velocidade em que toma lugar uma certa histeria em estilo videoclip e um final que acaba por ser previsível. Tal como a gravidez de Jennifer. O problema é que com este filme Darren Aronofsky apenas pariu um pesadelo de horror.