Atenção, Django nada tem que ver com o Django de Tarantino. Na verdade, a comparação apenas favorece a ironia, já que são dois filmes quase nos antípodas, ainda que ambos baseados em personagens reais ou lendários. O que nos interessa aqui é Django, o guitarrista, não o pistoleiro. Mas não seria a primeira vez que um cineasta abraçava um projeto de contorno biográfico e artístico, sem pesar o valor da obra e da sua arte para corresponder a um registo mais apetecível da figura em causa. No caso de Etienne Comar percebe-se que a sua experiência de produtor se terá sobreposto nesta sua estreia atrás das câmaras, ao devolver um filme bem composto sobre Django Reinhardt, o mais famoso guitarrista de jazz, o francês descendente de ciganos. É pena que não tenha ido mais além porque Django até merecia um maior rasgo. Ele que foi, de resto, o filme de abertura do festival de Berlim em fevereiro passado.
Apesar de focar o período em que o músico procura fugir à mão de ferro do sistema nazi que dominava na França ocupada, Comar não consegue mais do que um drama competente e descritivo, ainda assim dominado com notada segurança por Reda Kateb, o francês de descendência argelina, que ainda há pouco tempo vimos no novo de Wim Wenders, Os Belos Dias de Aranjuez.
Estamos em 1943, com uma França ocupada que procura levantar a cabeça. Ao menos, em Paris as plateias agitavam-se com o fulgor da guitarra endiabrada de Reinhardt e do violino de Stéphane Grappelli incendiando os clubes noturnos com o seu jazz cigano. Ele que estava seguro que a sua fama o protegeria dessa perseguição. Para isso, acabaria por aceitar tocar de acordo com as regras da propaganda, para assim se manter uma certa ‘pureza artística’. Por isso mesmo Django teria de “evitar os ‘alegros’ e os ‘prestos’” para embarcar no ‘convite’ para uma digressão alemã, como forma de diminuir a influência da música negra que ecoava do outro lado do Atlântico. Isto apesar de na sua mente estar a possibilidade de embarcar numa jornada para atravessar o Lago Genéve em direção à Suíça.
Para além da prestação rigorosa de Kateb, se bem que talvez sem o carisma devido, há que contar ainda a presença de alguns elementos femininos que poderiam ter sofrido um maior desenvolvimento, como o proto romance com a francesa Louise de Klerk (Cécile de France) que mantinha laços com os ocupantes, procurando explorar uma incipiente ligação com o artista e um acrescido dilema com a sua mulher Naguine (a estreante húngara Bea Palya), ou atá mesmo a presença marcante de Négros, a mãe de Django, a conferir uma inesperada densidade.
Mesmo com este foco no dilema do artista em manter-se fiel à sua música e não a deixar à mercê de conveniências políticas, algo se perde nesse dilema, acabando por nunca se sobrepor ao evidente vigor musical de Django Reinhardt, esse sim com o verdadeiro protagonismo no filme.