Na região de A Ciambra, uma comunidade cigana da Calábria, no extremo sul de Itália, mesmo no bico da ‘bota’, o mundo das crianças e dos homens tende a ser algo ténue, pois até os putos de cinco de cigarrinho na boca e copo de vinho nos lábios procuram queimar etapas para chegar o mais rápido possível à idade dos homens. Pio Amato é um deles. O italo-afro-americano Carpignano detetou nele uma aura que isolou e capturou em três dos seus filmes. Primeiro, foi a curta A Ciambra, de 2014, prolongando-se um ano depois numa das personagens de Mediterrânea e agora num dos mais aclamados filmes de Cannes e vencedor do prémio Europa Cinemas na Quinzena dos Realizadores.
Aos catorze anos, Pio apressa como pode todos os ritos de passagem que abram as portas da idade maior. Habituado a viver à sombra do irmão, o pirralho é forçado a improvisar quando este é preso. Algo que a câmara inquieta do realizador capta, num registo próximo do semi-documental e quase antropológico contaminado de resto pelos ritmos tecno-pimba da nova música cigana.
Sim, estamos num emersos num profundo realismo, talvez não muito longe do ambiente neorealista de Siuscia ou O Ladrão de Bicicleta, clássicos incontornáveis de Vittorio De Sica; ainda que este também podia ser um descendente do estilo Dardenne que nos deu a inquietação permanente de Rosetta.
Nessa inquietação seguimos Pio nos seus diversos trabalhinhos para trazer dinheiro para casa, muitas vezes junto da comunidade africana, com quem os ciganos não se misturam, e que entregará à personagem matriarcal, embora talvez para honrar o avô a viver os seus derradeiros dias, embora a manter a nostalgia das liberdades do passado.
Carpignano tem acompanhado a vida deste rapaz desde que o ajudou a recuperar o automóvel roubado durante a rodagem de uma das suras curtas, conforme o cineasta de 33 anos nos relata na nossa entrevista. Algo que evoluiu para uma convivência regular. O mesmo se passa com o amigo Koudous Seihon, que participou em Mediterrânea e haveria de evoluir também para este filme, nessa delicada relação entre a comunidade cigana e os africanos. Como se imagina, esta é mesmo a praia de Jonas Carpignano. Ficamos à espera da próxima maré.