Sábado, Dezembro 7, 2024
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Uma Girafa e Judy Garland à procura do Discovery Channel no IndieLisboa

O IndieLisboa gosta de manter amizade com todos os realizadores que participaram no festival. Os realizadores também gostam de voltar para Lisboa e apresentar novos trabalhos. Assim muitos cineastas que já criaram a sua própria história com o festival. No caso do filme Tristeza e Alegria na Vida das Girafas de Tiago Guedes temos duas histórias. A primeira é que o realizador no ano 2014 já apresentou no IndieLisboa a sua curta Coro de Amantese, digamos que faz parte da família. A segunda história é que Tristeza e Alegria na Vida das Girafas já tem uma vida anterior como uma peça escrita e depois encenada por Tiago Rodrigues em 2012. Podia tudo ficar por aí, mas era ideia mesmo boa aproveitar a cidade e fazer uma viagem à procura das respostas para as perguntas difíceis.    

Então, a Maria (Maria Abreu) é uma menina inteligente e empreendedora que sofre por causa do divórcio dos pais. O único amigo dela é um ursinho de peluche, chamado Judy Garland (Tónan Quito). Só que este não é um ursinho qualquer, já que tem o corpo e uma atitude de matulão. Com Judy vai a Maria fazer um passeio tentando arranjar dinheiro para poder ver Discovery Channel. No fundo é uma viagem da infância para a adolescência, uma despedida com tudo aquilo que nunca mais volta, um dialogo de pessoa com si própria. Não é por acaso que o urso tem o nome da atriz. Hollywood gerou muitas crianças atores, mas Judy Garland foi uma das poucas que continuaram a careira depois de crescer. Além disso o boneco masculino que tem o nome feminino transmite bem a ideia de corpo incómodo na altura de adolescência.

Embora seja uma viagem interior, esta é também uma verdadeira aventura com muitos encontros devidamente temperados com palavrões do urso. Essa viagem pinta o retrato da sociedade lisboeta com os seus medos, problemas, sonhos e desejos. Entre todos os encontros o mais marcante é com um reformado (Miguel Guilherme) esquecido pelos filhos, com um monólogo que transmite ao espetador uma certa melancolia. A partir deste momento percebemos que todos somos girafas tristes à procura da felicidade. Através da ideia de sonho e de felicidade fugidia passamos para a obra de escritor e dramaturgo russo Anton Tchékhov cujas personagens sempre estão a sentir um certo isolamento e uma impossibilidade de vida desejável. No mundo tchékhoviano quase não acontece nada, mas os destinos mudam completamente. A transformação da Maria tem a mesma subtileza escondida entre as piadas do urso, seguramente uma réplica da comédia ácida Ted.

Judy Garland faz malabarismos com os palavrões ao mesmo tempo que realiza feitiços e orações . O uso do vernáculo significa que a língua literária já não serve, já não é possível encontrar palavras para descrever a realidade. Mas isto não quer dizer que não haja espaço para poesia. Pelo contrario, estes dois contrastes funcionam bem no encontro com o próprio Tchékhov ou do pai vestido de dramaturgo russo ou de mais alguém parecido com os dois (Miguel Borges). A peça sobre a crise econômica foi escrita há cinco anos taras, mas ainda hoje a realidade não mudou muito. Logo apetece dizer como o urso nos habituou: “Foda-se! Caralho! Puta!”

É importante falar do elenco. Tónan Quinto e Miguel Borges conracenaram na versão cénica. Significa que eles tinham uma história com essa matéria e usaram todo o conhecimento, toda a experiência. Maria Abreu que criou a personagem principal é a filha do realizador e da atriz Isabel Abreu. Já agora, percebe-se que Tiago Guedes vem do universo televisivo, ainda que essa herança não pese demasiado na estética deste filme ligeiro, embora feito para gente crescida que ainda é criança.

 

 

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