O filme de estreia do realizador vietnamita Li Bao foi apresentado no concurso ‘Enconters’ do Festival de Cinema de Berlim. Um estilo deveras sedutor, entre o choque com a natureza e uma aguçada visão fotográfica e de luz. Como se Apichatpong ou Tsai Ming-Liang se cruzasse com o cinema de Pedro Costa.
É tão bom quando somos totalmente surpreendidos por imagens deslumbrantes e oblíquas, quadros vivos ligados a narrativas disponíveis ao encantamento. Sobretudo percebendo que tal inspiração vem de uma primeira obra e surge de uma cinematografia tão inesperada quanto a do Vietname. .
Le Bao nasceu em 1990 nos subúrbios degradados de Ho Chi Minh. Um filho do cinema na internet que se tornou cinéfilo por conta própria, como informam as notas de produção. Coisa rara. Estreia-se com Taste (o original é Vị), um cinema que se inscreve nos elementos, de resto confirmado pelas duas curtas Coal (carvão) e Scent (essência), bem como Taste, uma curta que poderá ter estado na origem da longa, já depois de Unconsoled (2019). Ou seja, uma produção constante que justifica a maturidade que vemos nas sas imagens.
Na verdade, Bao parece segredar-nos para que tomemos atenção às múltiplas dimensões que nos poderão escapar. Talvez, na verdade, tudo seja possível. Como que segredando o que estará escondido numa pequena toca de rato numa parede que serve de baliza a um campo de futebol do tamanho do Subbuteo. Talvez neste buraco exista o mundo de um jogador de futebol nigeriano que foi despedido de uma equipa vietnamita após uma lesão numa perna.
Um espaço habitado por mulheres idosas e solteiras disponíveis para um ritual de corpos. Aliás, este é um cinema de celebração do corpo, encarado quase na sua vertente performativa, em que as palavras são dispensadas – escutaremos não mais do que duas dezenas de frases ao longo de todo o filme. Numa dessas cenas, o emigrante nigeriano fala com o filho olhando um ecrã, quando trincando, à vez, uma melancia.
A geografia tal como o tempo também está em suspenso: tudo acontece como numa ponte indefinida entre o que parecem ter umas termas, mas que poderá ser igualmente uma prisão, algures entre um passado que se cruza com o presente. É assim que nasce esta espécie de império interno, inacessível a qualquer pessoa do mundo exterior. Aqui, passando um ritual de purificação, em que estas mulheres comem, são massajadas e, por vezes, copulam.
Várias ações ocorrem em paralelo aqui e, ao mesmo tempo, mas em que nada verdadeiramente acontece. Mais do que tentar explicar ou interpretar, apetece viver um filme como Taste. Pelo menos, oferece-nos um amplo campo de raciocínio, mas ao mesmo tempo a liberdade incrível de significados e códigos ou, simplesmente, imaginar novas formas de expressão. O tempo dirá quem Li Bao realmente é: se um imitador habilidoso ou uma nova voz do cinema asiático.