Curvemo-nos diante do cinema de procura do real e das imagens de arquivo que buscam na história ecos das tragédias da guerra, sobretudo em tempos que rimam com o limiar da catástrofe, com a insanidade do ser humano e a sua voragem indómita para a destruição.
Sergei Loznitsa, o realizador ucraniano de origem bielorussa, apela à memória para relatar os momentos da crónica da guerra, do nosso e de todos os tempos, no arrasador The Natural History of Destruction, exibido em competição internacional no Porto/Port/Doc, numa co-produção entre a Alemanha, a Holanda e a Lituânia.
Aliás, tem sido esse o tema – a guerra, o conflito – nas suas mais bárbaras e múltiplas dimensões, a alimentar a sua cinematografia. Loznitsa volta ao texto de W.G. Sebald, dois anos depois de Austerlitz (2016), sobre a memória do Holocausto, e um ano depois de Babi Yar, Context, sobre o massacre de 34 mil judeus em Babi Dar, na Ucrânia. E até já depois de conhecermos o projecto Donbass (2018) e Mr. Landsbergis, o líder lituano que conduziu o seu país à ruptura com a Rússia e o colocou no camino da independência.
Desta feita, o foco é, de novo a 2ª Guerra Mundial, embora tudo comece antes da guerra, com uma linha narrativa assente nos bucólicos campos germânicos, nos sorrisos nas esplanadas com bandeirinhas de suásticas por perto, nos concertos filarmónicos que irão ceder, depois de um plano a negro, a um ponto de vista aéreo que acabará por mostrar os pontos luminosos dos bombardeamentos nocturnos, os destroços, as vítimas. E até os discursos do marechal Montygomery, responsável pelas invasão em Itália e na Normandia, bem como o Sir Arthur Harris, cuja alcunha “Bomber” fora dada por ser responsável pelos bombardeamentos de cidades alemãs no auge da guerra. Antes veremos a máquina de produção de guerra, bem como militares a montar bombas e pilotos no cockpit já a viver um quotidiano de guerra. E será a mesma determinação com que as populações civis procuram retirar os corpos e os destroços.
Será talvez esta imagem que Loznitsa convoca num período a que nos vamos habituando às notícias de bombardeamentos e de terror. Algo que a fúnebre fotografia a preto e branco, apenas, aqui e ali, pontuada por imagens coloridas, nos sobressalta para uma realidade que, afinal de contas, não pertence apenas aos arquivos.