A Little Love Package, de Gastón Solnicki, vence secção internacional e Viagem ao Sol, da supla Ansgar Schaefer e Susana de Sousa Dias, é o eleito da competição nacional. Já Viagem ao Rei, o registo onírico e biográfico sobre Rui Reininho, assinado por João Pedro Moreira, vence na categoria documentários musicais.
Já lá vamos aos prémios. Em jeito de síntese dir-se-ia que as diferentes propostas do cinema do real apresentadas na 9ª edição do Porto/Post/Doc transformaram este reencontro do público com as salas de cinema numa ‘singela encomenda de amor’. Embora, no nosso caso, impedimentos geográficos limitaram a uma fruição à distância.
Propostas suficientes e diversificadas de lidar com a memória, bem com as diversas expressões do real, a melhor direcção a dar ao arquivo fílmico, ou até ao cinema enquanto património.
Já se sabe, Little Love Package, do argentino Gastón Solnicki, foi o vencedor da competição internacional, uma secção atravessada pela ficção e o documentário, pelas suas ténues fronteiras e até tocada por uma bem-vinda diversidade social e política.
Não vimos todas as propostas, mas tornou-se claro que a do cinema de Gastón Solnicki não constitui apenas um olhar acutilante para a realidade de um quotidiano transformado pela pandemia, mas também a dilui pelas diferentes personagens que gravitam neste cosmos abraçado com muita elegância com a câmara do português Rui Poças.
A sua mirada vagueia por este território que supera fronteiras, mesmo quando lida com as tradições de uma Viena forçada a abdicar da tradição da tertúlia dos cafés cheios de fumo de tabaco, pelo menos desde que os sinais de proibição de fumar se converteram em lei. O mesmo quando se acerca da força narrativa das dúvidas de decoração de uma recém proprietária, ou da decisão de uma jovem pianista em abdicar do formalismo do conservatório pela exploração da improvisação. É também nessa força de liberdade e partilha que faz parte da sua magnífica e carinhosa ‘embalagem’ de que nos fala o título do filme de Solnicki.
No plano da secção Cinema Falado, dedicado à língua nacional, confluíam igualmente diversas propostas, marcadas por ainda maior diversidade de encarar o real, com o júri rendido ao tratamento do material de arquivo de A Viagem ao Sol, de Ansgar Schaefer e Susana de Sousa Dias – que ainda há uma semana venceram, em Coimbra, o prémio de imprensa do festival caminhos do Cinema Português.
Mesmo que de uma forma muito transversal, sente-se o contacto com o outro, tanto na proposta de Solnicki como na da dupla Schaefer e Sousa Dias. E que não será apenas pela realidade austríaca, no caso de Viagem ao Sol, com o convite a crianças austríacas, traumatizadas pela 2ª Guerra Mundial, para uma convalescença no sul da Europa, ou seja, no Portugal do Estado Novo, igualmente atravessado por gritantes assimetrias.
O que temos é um filme arrebatador, integralmente constituído pelo poder das imagens de arquivo e o distanciamento dos depoimentos áudio abre diversas possibilidades de reflexão. Desde logo, a inversão dos agressores em vítimas, sobretudo com os mais frágeis a serem acolhidos por um país pobre, embora mostrando sobretudo o seu lado mais privilegiado; por outro, a tremendo uso do cinema, seja pelo extremo cuidado no trabalho do arquivo, no tempo e ritmo das imagens, ao pormenor de uma découpage dentro da própria fotografia, culminando num extremoso cuidado no som, como que facilitando essa passagem para uma dimensão temporal que acentua uma realidade praticamente desconhecida.
Uma secção muito forte, mesmo com algumas propostas já com o seu percurso nacional e internacional feito, como a belíssima experiência sensorial Super Natural, de Jorge Jácome, premiado o ano passado no festival de Berlim, ou Águas de Pastaza, a estreia de Inês T. Alves, também exibida em Berlim.
Ainda assim, surpreendentes derivações da memória, por exemplo, em As Maçãs Azuis, de Ricardo Leite, e à incrível personagem de Edila Gaitonde, descoberta nos Caminhos do Cinema Português, em Coimbra, bem como a singularidade de Margot, o documento de Catarina Alves Costa sobre a investigação artística da alemã Margot Dias em Moçambique. Ou até o uso que a bela animação de Laura Gonçalves, O Homem do Lixo, faz do passado.
PALMARÉS PORTO/POST/DOC 2022
Competição Internacional – A Little Love Package, de Gastón Solnicki
Competição Cinema Falado – Viagem ao Sol, de Susana Sousa Dias e Ansgar Schaefer
Prémio Transmission – A Viagem do Rei, de João Pedro Moreira
Menção Honrosa – El Arena, de Jay B. Jammal
Prémio Cinema Novo – Nada Para Ver Aqui, de Nicholas Bouchez
Menção Honrosa – Home, Revised, de Inês Pedrosa e Melo
Working Class Heroes – Variations on How to Farm a City, de Mónica Martins Nunes
Prémio Aché – Mysticisme du Sud, Fábio Penela
Prémio Teenage – A House Made of Splinters, de Simon Lereng Wilmont