A urgência do cinema ucraniano continua a oferecer-nos pequenas descobertas. A mais recente aconteceu em San Sebastian, com La Palisiada, de Philip Sotnychenko, integrada na secção Zabaltegi Tabakalera, que teve na sua abertura a curta póstuma de JLG, Film Annonce du film qui n’existira jamais: “Drôles de guerres”.
Na longa metragem de estreia de de Sotnychenko, esbarramos com um filme denso, sinuoso, mas visualmente cativante (com excelente fotografia de Volodymyr Usyk). La Palisiada chega ao festival do País Basco já com o prémio FIPRESCI no bolso, alcançado este no em Roterdão. Com a particularidade de se arriscar um tema candente como a abolição da pena de morte no seu país, imposto nos tempos da URSS. Embora isso não o abstenha de o contagiar por um inteligente sentido de humor que cativa ainda mais a atenção do espectador.
Simplificando, dir-se-ia que esta ‘paliçada’ se divide entre dois momentos, dois disparos, mas também duas épocas distintas. Informa a descrição do filme que a ação de desenrola em 1996, pouco antes dessa medida legal, aproximando um agente da polícia e um médico legista, ambos investigando a morte de um colega, embora refletindo sobre as possibilidades de um futuro.
Ao conhecer Philip percebemos logo a designação de palavra de ordem inscrita na sua t-shirt: “o pacifismo é um privilégio; a neutralidade beneficia o agressor; os tanques ajudam a acabar com a guerra”. Ele confessou-nos que o tema para o filme lhe surgiu após uma pesquisa na Wikipedia, de resto por onde os seus projetos costumam iniciar-se. E foi aqui que contactou com a abolição da pena de morte na Ucrânia. “Esta informação sobre a pena de morte impressionou-me”, refere, “porque em 1996 eu tinha apenas sete anos e nunca me ocorrera que numa Ucrânia independente (desde 1991) ainda existisse pena de morte.” No entanto, o filme possui uma dimensão mais prática, pois aborda “os relacionamentos entre as pessoas. Principalmente sobre aqueles que se adaptaram a um status quo, mas lembremos que não conseguiram fazê-lo. Sobre os que queriam mudar alguma coisa, mas não conseguiram.”
Foi precisamente na manipulação destes elementos, observados dentro de um contexto histórico, que a ideia do tempo no filme tomou a sua forma atual. “Para ser sincero, tentámos seguir uma ordem cronológica na primeira edição do filme, em que temos primeiro o passado e depois o futuro. Só que o resultado não foi muito interessante.” É aí que o diálogo com a atualidade mais cosmopolita da sua geração tem lugar. Desde logo, com as discussões à mesa sobre a arte e a vida que servem de pano de fundo para essa reflexão maior sobre o que se herdou do passado entre aqueles que se acomodaram e os que se revoltaram. Ficando esse muro (a paliçada) a dividir os dois territórios pessoais.
Existe assim por detrás de tudo uma ideia épica e linguística, como nos explica Philip (desde logo pelo termo francês la palisade, embora aqui, la palisiada, envolvendo também o lado policial). Algo que “cria um efeito cómico, embora em situações trágicas. Algo do estilo, ‘primeiro, ele estava morto e depois estava vivo’…
Esta é até uma realidade que se aplica ao momento atual na Ucrânia. Por isso queremos saber mais sobre a produtora CUC (cinema ucraniano contemporâneo). “Esta é a nossa organização, a nossa produtora cinematográfica, mas também o nosso grupo de amigos.” Apesar deste filme ter sido terminado antes da invasão russa, percebe-se que o ‘cinema contemporâneo atual’ esteja limitado ao género documentário. “Para já, porque não há financiamento estatal por razões óbvias”, conforme nos informa o cineasta. “Por isso, apenas podemos fazer filmes e documentários, em ‘estilo guerilla’, e sobretudo em co-produção.”
Porque é necessário “registar o que está acontecendo agora”, para “registar os crimes que estão a ser cometidos pela Rússia em território uraniano.” Ou seja, no fundo perceber o que se está a passar do outro lado da barricada, do outro lado da paliçada.