Nos dias que correm, a palavra ‘sequela’ é daquelas que se arrisca a provocar um formigueiro capaz de nos deixar à margem do bizness. Pelo menos para quem não costuma embarcar no comboio da indústria. O mesmo já não acontece se embarcarmos no ‘soul train’ deste inesperadamente cativante Beetlejuice Beetlejuice e na viagem a um passado de mais de três décadas que vale a pena revisitar. Aliás, aqui a nostalgia foi devidamente acarinhada por um tremendo bom gosto que transforma este retorno num entretenimento à altura do melhor que nos deu o seu autor. Especialmente, numa altura em que o cinema, e os meios de o fazer, já superaram todos os limites.
Na verdade, fomos para o filme com a ‘pulga atrás da orelha’, que é como quem diz, à espera de um espetáculo de encher o olho e nos forçar o sorriso. Pois depressa percebemos que o tempo foi aqui bom conselheiro, pois a sequela do macabro e hilariante Beetlejuice, de 1988, é recompensado por um prazer intenso que nada sofre com a sua distância histórica. Aliás, esta é uma verdadeira trip do além, em versão ainda mais expressionista, enleando com eficácia esse aggiornamento geracional.
Créditos merecidos à equipa de argumentistas, a dupla Alfred Gough e Miles Millar (muito experientes no tempero de sequelas, como Múmia, Homem-Aranha, ou Arma Mortífera), e ainda Seth Grahme-Smith (responsável pelo humor de Lego Batman), responsáveis pela gestão de um caos que mantém a originalidade do segundo filme de Tim Burton.
Sim, the gang’s all here. Que é como quem diz, um Michael Keaton capaz de se reinventar. Agora a braços com a sua ex, Delores (servida por uma convincente Monica Belluci devidamente ‘agrafada’) e com o poder de sugar, literalmente, qualquer alma que se interponha no seu caminho. Aliás, Bellucci tem uma sequência inesperada, mas em grande estilo, homenageando o mestre Mario Bava, por sinal, um dos cineastas favoritos de Burton. Teria sido esta a ‘cacha’ a abrir as portas para a estreia no festival de Veneza? Se foi, foi muito bem feito!
26 anos depois, Winona Ryder volta a ser Lydia, só que agora no papel de uma gótica de meia idade, pivot de um show televisivo como médium capaz de contactar o além. Do cast principal há ainda a destacar a presença de Jenna Ortega, (também ela recuperada de um remake, no caso Gritos, 25 anos depois), como sua filha agnóstica Astrid. Pelo meio, há ainda a madrasta de Lydia, Lydia (Catherine O’Hara, também ela de volta).
Mérito pela forma como foi orquestrado este trio geracional feminino e como ambas lidam com esse ‘outro lado’. Ao qual se juntam ainda os notáveis secundários – Danny De Vito e Willem Dafoe – muito justos pela forma como contribuem para o filme, a par de inúmeros outros pormenores bem conseguidos.
Percebe-se que Tim Burton partiu confiante para teste projeto (que até podia ser arriscado), mas é mesmo o seu lado assumido que torna este Beetlejuice Beetlejuice um dos grandes filmes de estúdio deste ano que (quase) nos faz desejar a vida do além!…