O documento ‘Sempre’, de Luciana Fina foi apresentado hoje no Festival de Veneza na secção Giornate degli Autori
Ao pensar no significado da palavra ‘Sempre’, deveria surgir quase como seu corolário a repetição da palavra de ordem ‘25 de Abril Sempre!’ Bem andou a investigadora e realizadora italiana Luciana Fina ao isolar essa palavra, debruçando-se (ela e nós!) nos seus múltiplos significados.
O seu filme adquire assim um valor que se acrescenta à nossa história, pois centra-se na ‘Revolução’ que fez também acontecer ‘o Cinema’. O cinema português. Como ato de resistência. Sempre!
A proposta surgiu até de uma encomenda, no caso, o convite de José Manuel Costa, na altura ainda diretor da Cinemateca, para Luciana conceber uma instalação em complemento à comemoração dos 50 anos do 25 de Abril. Quem por lá passou, entre abril e junho deste ano, e subiu aqueles ‘49 degraus’, por certo foi visado pela luz dessas imagens, onde a iconografia política convertida em arte por Ana Hatherly, em Revolução, mas também pelos sons da rua, pelas expressões, onde ’25 de Abril Sempre!’ ficou plasmado.
Há também um momento histórico que importa ser recordado. Quando o cineasta Fernando Lopes declara à jornalista Maria Margarida, durante a reportagem do magazine Cinema 7, da RTP, captado na sede da redação da Revista Cinéfilo, em Janeiro de 1974, desejando que “daqui a um ano, a gente estivesse aqui a dizer que o que foi importante em 74 foi o cinema português”.
Premonitórias as palavras, pois talvez como em nenhum outro ano, o cinema português (sobre todas as suas formas) saiu da censura e foi para as ruas captando a realidade de mãos dadas com a Revolução.
É então com a distância desse meio século de ‘vida nova’ que Luciana Fina filtra a partir de uma montagem criteriosa, combinando elementos diversos, propositadamente não identificados, para que o novo olhar se questione, pois não é memória do passado que importa, mas um futuro que poderá ser reinventado pelo espetador.
Neste filme feito a partir dos arquivos (entre 1962 a 1980), combinam-se imagens de cinema, em alguns filmes marcantes como Verdes Anos, de Paulo Rocha (1963), ou Dina e Django, de Solveig Nordlund (1981), para citar apenas dois exemplos, além de muito material de reportagem televisiva, bem como documentários de cineastas que vieram filmar a revolução a acontecer (o PREC), como foi o caso do americano Robert Kramer.
É então nesse questionamento do arquivo que “as imagens do passado olham para nós e pedem para comparecermos diante delas”, como refere a autora no artigo publicado na Cinemateca, porque “resgatar as imagens destes arquivos é também interrogar o cinema, os seus gestos e uma ideia de futuro”.