Quinta-feira, Dezembro 5, 2024
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Laura Carreira em San Sebastian: “É um reconhecimento enorme!”

Cineasta portuguesa distinguida com prémio de Melhor Realização por 'On Falling'

Desde cedo, On Falling foi um dos filmes preferidos pela crítica internacional a fazer a cobertura da 72ª edição do festival de San Sebastian. Justíssimo, portanto, o prémio de Melhor Realização para a portuguesa Laura Carreira. Se bem que não chocasse o prémio de melhor filme para On Falling e até seria mais calhada a distinção da realização para a tremenda découpage de Albert Serra em Tardes de Soledad. Mas é assim. E assim está muito bem! Além do prémio de realização, On Falling já vencera uma menção especial na secção “outra mirada”.

“Já estou um bocadinho mais calma, porque estou fora do palco. Mas este é um reconhecimento enorme”, disse-nos ao telefone, a cineasta Laura Carreira, apenas escassos minutos após receber o prémio de realização por On Falling. “Depois de todos os anos de trabalho e todas as curtas, chegar aqui e ganhar este reconhecimento com o meu primeiro filme é algo fenomenal. Sobretudo por estar ao lado de tantos realizadores e realizadoras fantásticas. Nunca achei que fosse possível. É um reconhecimento muito grande, não só do meu trabalho, mas também de todas as pessoas que trabalharam comigo, porque o trabalho de realização é um trabalho muito coletivo.” Sintetizando, declarou ainda esperar que “isto ajude o filme a chegar aos cinemas e a ser visto pelo seu público”.

Sim, fixemos o título! O filme chama-se On Falling, e é a primeira longa metragem da cineasta portuense, com uma produção da Sixteen Films, de Ken Loach, em co-produção com a portuguesa BRO Films, de Mário Patrocínio.

San Sebastian: o ator Neil Leiper, a atriz Joana Santos, a realizadora Laura Carreira e o produtor Mário Patrocínio.

Trata-se de um maravilhoso gesto de cinema sobre a precaridade do trabalho, mas também sobre o sentido da vida. Seguramente, o filme mais marcante dos candidatos à Concha de Ouro, na 72ª edição do Festival de San Sebastian. Isto dois anos depois de Marco Martins ter ‘partido a loiça toda’ com o socialmente avassalador Great Yarmouth -Provisional Figures.

A viver e trabalhar mo Reino Unido há 12 anos, 13, anos, Laura Carreira encontrou no cinema uma forma de vida, se bem que seja precisamente na insegurança de um posto de trabalho que assenta o seu cinema. O próprio título (‘on falling’, traduzindo ‘ao cair’ ou ‘em queda’) parece indiciar algo inquietante, quase escondido, como a vergonha de não ter dinheiro e de ansiar algum tipo de contacto humano. Esse é o retrato da solidão escondida que Joana Santos absorve com uma calma à beira do precipício. Ela é Aurora, uma ‘picker’ num grande armazém gigante na Escócia que escolhe os produtos que todos nós compramos online por tuta e meia, mas onde passa também os sinais de um desespero de quem não vê solução 

O filme teve a sua estreia mundial no festival e Toronto e terá estreia europeia no Festival de Londres (de 9 a 20 de outubro). Falámos com Laura Carreira em San Sebastian.

Ao pensar no título On Falling, parece-me que se evoca aqui um estado quase terminal, de queda eminente, concordas?

Sim. Eu acho que o filme tem a ver com o sentimento de perder o chão, os pés. Eu queria falar disso, mas não é um tema fácil. Hoje em dia falamos tanto de ansiedade, falamos do indivíduo e dizemos ao indivíduo para ir descobrir soluções para os problemas. Ora eu acho que com este filme quis perceber a origem do problema. E perceber se o que estamos a experienciar são, ou não, sintomas mais do que problemas individuais. 

O que me parece evidente é um certo prolongamento do realismo social das curtas anteriores. Algo intencional, presumo.

Sim, sim, absolutamente. Tanto em Red Hill (2018), sobre o último dia antes da reforma de uma personagem, e o vazio do que será a vida depois do trabalho, como a segunda, The Shift (2020), em que uma personagem perde um turno de trabalho e imediatamente sente os efeitos financeiros daquela perda. O que quis fazer neste filme foi que as personagens tentassem lutar e sobreviver no dia-a-dia, lidando com a luta dessa rotina.

Joana Santos em ‘On Falling’.

Não haverá também aqui algo de ti nesta luta? Digo isto porque a tua experiência é a que alguém que vive num outro país. De uma emigrante, não é? Como é que te posicionas dentro desse contexto? 

Acho que o filme reflete em grande parte esse sentimento muito específico dos primeiros anos que vivi na Escócia, onde foi para estudar. Tinha 18 anos na altura. Fui com a minha mãe, que também procurava trabalho. Portanto estávamos numa situação um bocadinho semelhante à do filme. Foram as dinâmicas dos primeiros trabalhos que acabaram por me influenciar bastante. Isto numa altura em que estava a aprender muito sobre cinema e a descobrir que tipo de cinema queria fazer. Ao mesmo tempo olhava para a minha vida, para as pessoas à minha volta e percebia que não conhecia ninguém que conseguia ter uma vida estável.

Sente-se nestes corpos de proletariados uma inevitável proximidade com o cinema do Ken Loach. 

Obviamente. Os filmes do Ken Loach sempre me inspiraram. E foi um momento muito feliz quando fui apresentada aos produtores dele e quiseram ler o meu primeiro argumento. Acho que essa foi provavelmente uma das primeiras vitórias para fazer este filme. Foi a partir dessas primeiras conversas que percebemos que a nossa visão do mundo era muito semelhante e de que gostávamos de fazer filmes da mesma forma. Desde essa altura nunca mais parámos de falar.

Em que momento entrou a produção portuguesa da BRO, com o Mário Patrocínio? 

Na verdade, eles foram os primeiros a ficar com o projeto. Lembro que na altura ainda estava a fazer as curtas e depois pensei que por ter uma personagem portuguesa iria conseguir. Mas foi a partir das primeiras curtas que o Mário e a produtora dele entraram em contacto comigo. Falei-lhes então no projeto que estava a escrever. A partir daí foi bastante fácil começarmos a trabalhar.

Como chegaste à Joana Santos? Não a conhecia da televisão, mas acho que é uma verdadeira revelação para o cinema. 

Ela é fabulosa. Nós fizemos um casting muito grande em Portugal. Na altura, vi cerca de 500 tapes de audições. Foi fenomenal ver a quantidade de talento em Portugal. Há atrizes fabulosas. Eu já conhecia a Joana e o trabalho dela. Mas quando vi a primeira audição dela pensei logo que iria chegar às últimas fases. Ela é tão diferente da Aurora, mas entendeu a Aurora de uma forma muito instintiva. Para mim foi ótimo porque eu tive muito pouco trabalho a fazer. Adorei trabalhar com ela, mesmo na edição foi um período bonito, porque a Joana deu-nos muito material tanto para trabalhar. 

O que sente uma realizadora ao trazer o seu primeiro filme a um festival como San Sebastião. Mas aparecer logo em competição, e com críticas ótimas?

Sim, confesso que não estávamos à espera de uma reação tão forte. As palavras das pessoas têm sido muito positivas; temos também recebido boas críticas e a indústria está a gostar do filme. Mas era importante para mim que o público se conectasse com a história. E, obviamente, eu gosto de filme. Mas disse que a prenda que este filme podia dar era a oportunidade de fazer outro. Portanto, qualquer passo que me deixe tentar fazer outro é uma vitória para mim. 

E esse outro filme, é algo que exista em potência, em ideias, pelo menos? 

Sim, tenho um argumento que já comecei a escrever há uns anos atrás. Obviamente, com este filme tive de pôr o argumento um bocadinho em pausa, mas daqui a pouco espero regressar.  Vai continuar a ser um filme sobre o trabalho, mas esta vez vou para o mundo dos escritórios e do trabalho de serviço. Também tenho outro argumento, eu tenho outra ideia que também vou querer começar a trabalhar e essa é em Portugal. E que poderá ser o próximo filme, se conseguir esse financiado mais depressa.

Como é que tu olhas o panorama da produção e do cinema português em Portugal? Dá a ideia que há muito stress em fazer coisas e que possam ser vistas pelo público. Mas no teu caso, basta uma ideia muito simples em que as pessoas se reveem… 

Acho sempre muito difícil fazer um filme para uma audiência em específico. O que é possível é fazer um filme com o qual eu e as pessoas à minha volta se relacionem e, a partir daí, esperar que a minha experiência se possa relacionar com outras pessoas. Por exemplo, durante a escrita, eu entrevistei muitos pickers, ou seja, as pessoas que fazem o trabalho que a Aurora faz. E muitos dos detalhes que foram mencionados nessas conversas acabaram por influenciar o filme. Acho que se trata disso, fazer o trabalho também de forma coletiva para que não seja só também uma perspectiva, para que seja uma perspectiva de um momento na história, mas que tenha outras influências também. Isso ajuda o filme a ser relevante. Para mim, essa parte é a mais importante – fazer um filme que seja relevante para hoje. E depois esperar que a tal audiência o vá encontrar. 

Só para terminar, houve alguma coisa que tenhas aprendido durante este projeto? O que sentes que passou a fazer parte de ti? 

Sendo o primeiro projeto, havia sempre muitos medos. Nas curtas, trabalhei, sempre com um ator ao mesmo tempo. Desta vez, aceitei a loucura de escrever o argumento. No total, eram 55 personagens e tínhamos algumas cenas com sete pessoas a conversar. Mas assim que comecei a fazer o filme, percebi que é um trabalho que se faz de forma coletiva. E esses medos desapareceram todos. Porque não tenho de saber tudo sobre o filme e decidir tudo. Há um argumento, há ideias e podemos conversar sobre elas e resolver. Essa lição ajudou-me muito. Porque removeram os meus medos. Acho que isso foi a maior lição, de que não estou a fazer o filme sozinha. Isso é algo que posso trazer para a minha vida.

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