Quarta-feira, Outubro 16, 2024
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Megalopolis: o salto arquitetónico entre o caos e a utopia

Aí está um filme que excita e provoca. Megalopolis é Coppola, fiel a si próprio e a um cinema que o desafia e o supera a ele próprio. Um filme que reflete o tempo e o espaço – algumas das ideias mestras do cinema moderno (que o diga Deleuze), o passado e o presente. Sim, Megalopolis é tudo isso. E mais. Mas também menos. Ou seja, aponta para o zénite, frequentemente para a obra-prima, mas também passa pelo dilema da estrutura; mergulha num profundo classicismo, embora sem deixar de pensar nas ditaduras de pacotilha de hoje, em todo o excesso mediático, mas também a equacionar um futuro que vivemos antes do tempo, onde a realidade e o virtual estão na ponta da língua. Este é um filme de grandes obras, da megacidade, da arquitetura (pois cada filme é um edifício de arquitetura). Só que Megalopolis deixa-nos também a ansiar pela simplicidade. Contradições? Nem por isso. Gostos e a estirpe da raça humana. 

Neste projeto bigger than life, que acompanha a carreira de FFC, é difícil deixar de fora do nosso pensamento a ousadia de Apocalypse Now (1979)a escala de O Padrinho, mas também a singeleza (apesar da ousadia do estúdio, ou por isso mesmo) de One From the Heart (1981), ou até a minúcia de The Conversation (1974)Ou seja, um ímpeto brutal de alguém que nunca se fica pelas meias-tintas. Talvez por isso as duas Palmas de Ouro de Cannes (The Conversation e Apocalypse Now) assentem bem a este visionário (de 85 anos) do cinema que deseja agora acrescentar um marco (o último?) na sua carreira.

Talvez daí se vislumbre a necessidade de olhar para o edifício (a grande cidade) como arquétipo da própria vida, a arquitetura da nossa vida. Tal como fez Costa-Gavras, já este ano, com o seu paliativo filme Le Dernier Souffle. Ou então a tentação de misturar o passado e com o presente. Como os dias de hoje numa civilização à beira do abismo, entre um limbo de grandes feitos e catástrofe das ideias. Uma das imagens mais belas do filme fornece essa ligação entre o tempo e a arte, em que Driver e Emmanuel bailam entre as vigas de construção dos arranha-céus, num belo plano de estúdio, evocando as fotografias tiradas durante a construção nos anos 30.

Neste mega-filme, nesta mega-elipse, Coppola recria o esboço de uma nova mega-Roma, com uma intriga apropriadamente shakespeareana. Aliás, “a América não é muito diferente da Roma Antiga”, como sublinha a personagem de Laurence Fisshburne. E que nos deixa até a pensar se terá passado completamente o efeito do ‘blue pill’ de Matrix. Ainda assim, percebemos também que a narrativa serve mais a estrutura do alicerce, embora sem uma convincente corrente sanguínea narrativa. Seja com for é esta a história do arquiteto visionário idealista Cesar Catilina (Adam Driver) em choque político com o conservadorismo do mayor Frank Cicero (Giancarlo Esposito) e a comtemplar a ganância do sobrinho Clodio (Shia Lebouf), herdeiro do ‘emperador’ Crassus III (Jon Voight). E há ainda (e como não?) o elemento feminino (Nathalie Emmanuelle) para descompensar este jogo de poder. No entanto, é mesmo este esquema narrativo que acaba por não funcionar e ‘agarrar’ o filme às suas múltiplas ideias.

Pois percebe-se que, algures na planta do edifício deste filme, os elementos eram calhados para cristalizar um monumento capaz de ilustrar a nossa própria decadência. Talvez até à altura dos grandes filmes sobre utopias urbanas. De Metropolis (1927), de Fritz Lang, a Blade Runner (1982), de Ridley Scott; já se falou de Matrix (1999), mas também lá cabe Inception (2010), de Nolan. Ou seja, quando se equaciona o caos e a ordem, cada pode ver aquilo que quiser (ou puder). 

Megalopolis soa a canto do cisne. Esperemos que não. E que seja apenas o statement que consegue abarcar tantos temas. A certa altura do visionamento, ocorreu-nos como seria bom sentir uma certa aproximação à uma magia na linha da dupla Michael Powell e Emeric Pressburger, capazes de lidar com magnas questões, como em A Matter of Life and Death, naquele pós-guerra de 1946, em que também tudo era (im)possível. Ainda assim, sente-se aqui neste Coppola, o gosto pelo gesto do cinema e o fazer com ânimo, a pensar (n)o cinema. Nesse sentido, Megalopolis merece a dúvida de uma revisão da matéria – quem sabe até com a intervenção na sala em que o espetador questiona a personagem de Adam Driver. Fazendo esse salto arquitetónico entre o cinema, a vida e a arte. Ou entre o caos e a utopia. Essa é que é essa.

Megalopolis
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