Segunda-feira, Fevereiro 24, 2025
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Berlinale: Digerindo os diferentes sabores da competição

Já na reta final da 75.ª edição da Berlinale (termina no dia 23, no dia das eleições alemãs), complementamos algumas notas de um punhado filmes ainda não mencionados na nossa cobertura. Entre os mais recentes e alguns vistos já há alguns dias, entre surpresas, mas também deceções. Recuperamos assim Ari, Dreams, El Mensaje, Reflet Dans un Diamant Moet, complementando com os recentes Kontinental ’25, Drømmer e Yunan.

Deste lote, apetece destacar Ari, um poema discreto sobre o encanto dos pequenos detalhes, das coisas escondidas no turbilhão do quotidiano. Este terceiro filme da francesa Léonor Serraille respeita de forma profunda o tremendo investimento emocional e fragilidade de Andrianic Manet, um ator relativamente desconhecido, mas que terá de estar na short list para o prémio de interpretação (sendo que este é um único prémio, sem distinção de género).

Seja como for, é logo avassaladora a cena em que este professor do 1.º ciclo se confronta com uma aula da pré-primária onde tenta interessar as crianças por um poema do poeta surrealista francês Robert Desnos… Se esta missão acaba por revelar-se um desafio falhado à partida, embora com uma enorme compensação dramática, o espectador acaba recompensado com uma abertura para uma sensibilidade aguda de Ari. De uma forma discreta, quase tímida, Sérraille revela através de Manet a beleza escondida nos detalhes, no universo de coisas que as crianças têm para nos ensinar – só temos de dar-lhes alguma atenção. Talvez assim estejamos mais perto de perceber o cinismo escondido dos outros, sejam amigos ou não.

“Ari” é um filme pequeno, sobre o gigante Ari, que não tem pressa de crescer. Essa visão e esse foi um dos momentos mais intensos, porque tão inesperado, vividos na Berlinale.

Dreams, do mexicano Michel Franco, acabou por ficar aquém do esperado, sendo até, no nosso entender, uma das deceções da competição ao Urso de Ouro, isto apesar de ter sido bem recebido por uma boa parte da imprensa acreditada. Apesar do respeito pela carreira de Franco, que temos seguido há vários anos, parece-nos que suscita questões menos interessantes. Em pano de fundo, o romance entre um bailarino mexicano, sem documentação de residência – aqueles que Trump tem sob a mira da deportação -, e a filha de um mecenas de San Francisco que aposta numa escola de dança local. Conhecemos Fernando (Isaac Hernández, principal figura do American Ballet Theatre), na cena inicial a bordo de uma carrinha no final após o ‘salto’ da fronteira. A aridez dessa cena poderia até fazer-nos pensar que este seria um filme vincado sobre esse problema. Mas não. Depois de chegar a San Francisco, Fernando introduz-se na mansão de Jennifer (Jessica Chastain, numa segunda colaboração com Franco). Na verdade, este filme será mais uma provocação sobre o sistema capitalista, marcado aqui pelo abismo social entre este casal, mas que se reencontra nas cenas de um erotismo exacerbado. Aqui, Franco e Jessica mostram audácia. Por exemplo, quando a atriz de Hollywood se atira a uma cena de sexo, anunciando ao companheiro “vou chupar-te os tomates, mas não te vou tocar na pila. E tu vais aguentar!” Assim.

No entanto, nestes dreams conta mais a aspiração e o talento de Fernando, do que, propriamente, o amor e a dedicação de Jennifer. Ficando a sensação de que se perdeu a oportunidade de fazer algo novo. Isto, claro, à exceção da ousadia sexual. Em sonhos…

Os outros

Não nos ficou na retina, a mensagem dos poderes especiais da menina que comunica com as alminhas dos animais, em El Mensagem, do argentino Iván Fund. Este é um road movie, fotografado a preto e branco (sem que se perceba o motivo), onde os pais da criança são, naturalmente, os gestores dessas rentáveis consultas.

Infelizmente, também, o filme em que esperávamos apreciar a prestação de Maria de Medeiros, Refect dans un Diamant Mortda dupla Hélène Cattet e Bruno Borzani, não nos deixa muito espaço para a saborear, já que se remete a pouco mais de uma cameo (uma curtíssima aparição) que não a serve. Fica, ainda assim, a tentativa de homenagem ao universo da saga ‘James Bond’, embora esbanjada em opções estéticas que limitam o filme.

A este conjunto, acrescenta-se a mais recente produção do romeno Radu Jude. Ainda assim, à simplicidade orgânica narrativa que nos habituou este cineasta, e, acutilância também, Kontinental ’25 fica aquém de alguns dos seus trabalhos anteriores. Desde logo, “Má Sorte no Sexo ou Porno Acidental”, o vencedor do Urso de Ouro, em 2021, a edição da Berlinale, em confinamento online, bem como o “Não Esperes Demasiado do Fim do Mundo”. Estes, claramente, num patamar muito superior.

Vimos ainda o simpático poema romântico Drømer (ou Dreams, o segundo), a terceira parte da trilogia do autor e realizador norueguês Dag Johan Haugerd (Love, Sex e Dreams, a primeira parte foi apresentada o ano passado em Berlin, na secção panorama, e a segunda, ainda este ano no festival local, em Tromso). A paixão pueril que a jovem Johanne sente pela professora floresce num projeto de romance, mas que acaba por despoletar incompreensões pela mãe e avó. Seria até um filme ‘companheiro’ de Blue Moon, pois vive igualmente da palavra, seja dos monólogos interiores e Johanne ou as suas palavras já escritas. Só que a tremenda elevação do filme de Richard Linklater torna a comparação injusta.

Por fim, Yunan, do jovem cineasta de 33 anos, Ameer Fakher Eldin – atenção agora, nascido em Kiev, de pais sírios, dos Montes Golan, e radicado em Hamburgo -, chegou-nos uma pequena surpresa (que se poderá até intrometer nos prémios). Dir-se-ia um cinema de um veterano, aquele que acompanha o momento de “pausa” de um autor árabe antes de contemplar o suicídio. Será numa região frequentemente inundada que encontra esperança na simplicidade de Hannah Schygulla, uma das grandes vedetas do cinema alemão, em geral, e do cinema de R.W. Fasbinder em particular.

Assim vai o festival. Os prémios são no sábado.

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