A propósito da estreia do seu novo filme, O Exame, Cristian Mungiu conversou com o Insider, em Cannes, onde viria a ganhar o prémio de realização. Aqui se aborda o espaço de frescura em que assenta esta “nova vaga” do cinema romeno, bem como os compromissos éticos que afetam a sociedade atual e que sustentam este novo filme do realizador vencedor da Palma de Ouro, em Cannes, com 4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias, em 2009. Ainda assim não se pense que se trata de um cinema onde o improviso toma conta. Nada disso.
Insider – Vendo o seu filme, ficamos com a ideia de que hoje em dia, no mundo em que vivemos, é quase impossível a um individuo ficar moralmente imune em relação ao Bem e o Mal. De distinguir entre o bem e o mal? Pelo menos, podemos tirar a ilação de que existe essa luta em permanecer moralmente íntegro?
Cristian Mungiu – O que acha, é possível ou não?
Não sei, não me parece que isso seja possível a 100%…
Pois eu também acho que não conseguimos focar 100% íntegros. Mas, como diz, há essa luta para encontrar essa linha, o equilíbrio possível entre estes dois universos. Acho que a necessidade de sermos delicados para os outros já é um compromisso. Mas é um equilíbrio em nós próprios que tudo começa.
Acha que essa deriva é algo que está territorialmente localizado?
Não saberei em relação ao mundo Ocidental dizer porque nunca aqui vivi. Apenas projeto aquilo que sinto. Não é suficiente ser turista em Paris ou Roma para saber como funciona esse dilema. Mas quando temos esta educação dos nossos pais, mas em muitos países a lei é apenas uma ideia, não algo definitivo. São sociedades, como a minha, em que as coisas não estão ainda estabilizadas. Talvez exista algo associados nas sociedades.
Foi esse um dos propósitos para criar este filme?
O que pretendi neste filme foi individualizar uma solução no indivíduo. Os pais encontrarão soluções para os seus filhos, mas precisamos de soluções mais globais. De outra forma as coisas não irão mudar.
Tem sido interessante observar o crescimento deste novo cinema romeno. Questiono-me se entre vocês realizadores existem muitas trocas de informação, de colaboração?
Sim, trocamos ideias entre alguns realizadores. Por exemplo, quando tenho um guião pronto costumo mostrá-lo ao Coroneliu Porumboiu e outros fazem o mesmo comigo. Não é nada organizado, apenas algo pessoal. Por exemplo, vi o filme do Porumboiu, Tesouro, até porque distribui outros filmes dele na Romênia. Mas esta “revolução romena”, como lhe chamam não tem nada a ver, por exemplo, com a “Dogma” dinamarquesa em que tem algumas regras. Ainda assim, existem alguns princípios de cinema que partilhamos. Só espero que isso não crie filmes que sejam muito parecidos uns com os outros.
E quais são esses princípios fundamentais que partilha, se posso perguntar?
Talvez a ideia de não usar música, não usar montagem. Estas são decisões importantes, e conscientes, que tomamos antes de começar a escrever o guião. Veja, por exemplo, o cinema americano, se música teríamos uma visão muito diferente do filme.
Nesse sentido, poderemos falar de um cinema mais orgânico?
O que é um cinema orgânico? Não sei… O que sei é que tento fazer um cinema mais realista. Não inspirado no que outros fizeram, embora reconheça que existem outros que vieram antes e que fazem coisas semelhantes a mim. É quanto tomamos a vida como o modo de fazer cinema. É por isso que os diálogos são assim e as cenas são assim. Não como o sistema…
E como definiria esse sistema?
Não sei, prefiro falar de sociedades que descobriram a liberdade e a necessidade de respeitar valores. Tivemos 50 anos de comunismo e não vamos superar tudo isso imediatamente. Foi apenas há 26 anos, é muito pouco tempo. Precisamos de algum tempo para sarar as feridas.
Acha que o cinema pode funcionar como essa peça que ajuda à transição?
Não sei se isso funciona assim. Infelizmente, o cinema é ainda encarado como algo que não tem um impacto social muito relevante. O cinema não penetra assim tão fundo na sociedade, desde logo porque perdemos o hábito de respeitar o cinema, por isso são insuficientes aqueles que serão influenciados. Acho que o cinema contribui, mas não pode mudar a sociedade.