Sem vitimização, nem floreados. Racismo, privilégio e desigualdade são palavras chave neste documentário urgente e absolutamente contemporâneo. Depois de esgotar a única sessão no Indie Lisboa, chega agora às salas de cinema.
A voz é familiar. Afinal, é Samuel L. Jackson o narrador da história que se ouve e vê em Eu Não Sou o Teu Negro, o mais recente filme de Raoul Peck que foi nomeado para o Óscar de Melhor Documentário.
As questões raciais na América não são uma novidade e já foram representadas múltiplas vezes no grande ecrã. Mas aqui a história é pessoal. O documentário é baseado no livro Remember this house, de James Baldwin. O ativista morreu a 1 de dezembro de 1987, deixando inacabado um manuscrito. Nessas trinta páginas escreveu sobre Malcom X, Martin Luther King e Medgar Evers, três amigos e também três nomes incontornáveis se falarmos da luta de direitos civis nos EUA – e no mundo. Ouvir sobre vida e morte destes pelas palavras de Baldwin acrescenta o que falta a outros documentários sobre o tema: realismo e proximidade.
Com uma banda sonora sublime e um arquivo cinematográfico pejado de ótimas referências que nos contextualizam no tempo, o documentário resulta num retrato comovente das convicções de Baldwin. Mas reduzir estes 93 minutos à luta de um homem só seria não só redutor, passando a redundância, como falso. Porque, na verdade, o documentário de Peck vai muito além disso. As noções de privilégio, raça e direitos humanos são temas trazidos para a mesa, sem qualquer pudor ou tabu.
O filme, que é todo a preto e branco de uma forma quiçá poética, mas indubitavelmente sugestiva, não procura, contudo, puxar à lágrima ou obter compaixão. Por outro lado, é de uma frieza avassaladora cujo único objetivo parece ser mostrar os factos – e esses são tão desconfortáveis quanto perturbadores. Já dizia Heródoto que há que “pensar o passado para compreender o presente e idealizar o futuro”. Resta saber em que parte do processo nos encontramos.
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