Sábado, Outubro 5, 2024
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Cannes: à espera de Palmas. Mas já com prémio para Pedro Pinho

Robert Pattinson e Diane Kruger candidatos às melhores interpretações. Pedro Pinho vence prémio Fipresci, na Quinzena dos Realizadores, com A Fábrica de Nada.

A competição para a Palma de Ouro acabou em ritmo de drama psicológico com o violento e disperso You Were Never Really Here, da escocesa Lynn Ramsay a revelar um descomunal Joaquin Phoenix a atravessar um pesadelo com um programa de salvamento de uma menina de uma rede de pedofilia. O filme avança, aos solavancos, em flashes, por vezes desconexos, de certa forma também a confirmar o estilo em que habitualmente navega o cinema de Ramsay. No caso, a adaptação da história de Jonathan Ames com menos de uma centena de páginas. Aqui para nós, talvez esta seja uma proposta demasiado calórica e incipiente para suceder a Eu, Daniel Blake, de Ken Loach, o último vencedor da Palma de Ouro.

Escrevemo-lo antes do festival. A Fábrica de Nada, assinado por Pedro Pinho e um coletivo, arriscava-se a ser um dos eventos de Cannes. E foi mesmo. Ao ganhar o prémio da critica internacional (Fipresci) na secção paralela da Quinzena dos Realizadores. Bravo Pedro!

Cabe agora a Pedro Almodóvar e ao seu júri eclético, constituído pela cineasta alemã Maren Ade, os atores americanos Jessica Chastain e Will Smith, a atriz e produtora chinesa Fan Bingbing, a realizadora e atriz francesa Agnès Jaoui, o realizador coreano Park Chan-wook, o italiano Paolo Sorrentino e o compositor francês Gabriel Yared. Pela diversidade de estilos, experiências e propostas cinematográficas adivinha-se um trabalho árduo. Ah, como gostaríamos de assistir a essa reunião final!

Podemos dizer que esta 70ª edição não foi muito pacífica. Desde logo, foi um ano marcado pelo escândalo Netflix, que motivou a criação de novas regras para salvaguardar a exibição em sala dos filmes em competição. Mas este ano, Okja, do coreano Bong Joon Ho, e The Meyerowitz Stories, de Noah Baumbach, poderão estar afastados à partida. No início desta maratona de cinema, Almodóvar deixou no ar essa possibilidade.

Em todo o caso, sempre podemos fazer um pequeno e salutar exercício de futurologia, procurando entrar na cabeça deles, ao mesmo tempo que manifestamos também as nossas escolhas. Definitivamente menos complexa de deslindar, pelo menos em teoria, será a opção para as melhores interpretações feminina e masculina. Aí, arriscamos a dizer com alguma segurança que Robert Pattinson, em Good Times, dos manos Benny e Josh Safdie, e Diane Kruger por In the Fade, de Fatih Akin, partem na linha da frente. Não só por ambos se entregarem a prestações muitíssimo exigentes e por saírem fora da sua zona de conforto em papéis de ação plenos de intencionalidade. Pattinson a afastar de vez o ambiente gótico da saga Twilight e Kruger a afastar também o passado blockbuster e a assumir um papel retributivo de lady vengeance na sua língua alemã. Assim arrumamos a nossa preferência ao lado daqueles mais prováveis. Até porque se a colheita de filmes ficou um pouco aquém, que se premie este par de stars. A red carpet e as manchetes agradecem.

O pódium dos melhores filmes

Quando aos filmes que mais nos marcaram, há que dizer que não nos ficou propriamente um filme incontestável, algo que se aproximasse a uma pequena obra-prima. Dito isto, temos ainda assim, várias opções bastante saborosas.

Desde logo o sueco The Square, de Ruben Ostlund que soube usar a provocação intelectual e social de uma forma inesperada, tirando-nos o tapete debaixo dos pés a um certo conformismo, em particular daqueles que estão habituados a estar do lado das boas causas, das boas maneiras altruístas e, porque não, das boas famílias. A personagem de Christian (excelente Claes Bang, outra possibilidade para prémio de interpretação) é absorvente no curador de um museu de arte contemporânea de Estocolmo. Ostlund desafia e provoca ao colocar uma série de acidentes de percurso que irão forçar uma total reavaliação deste homem.

Na nossa lista privada, surge também como calhado para esse grupo restrito Hikari (ou Radiance) da japonesa Naomi Kawase, ao desvendar-nos o mundo do cinema que é sugerido aos invisuais, através do papel de uma jovem que faz as descrições que acompanham a sonorização da narrativa e um fotógrafo que está à beira de perder a visão. É esse convite a apurar os sentimentos, complementado por um cinema cuidado e emocionalmente intenso que nos permitiu um desfrute bem mais apurado. E nesse sentido, um filme mais calhado até que Wonderstruck, do americano Todd Haynes, a ensaiar uma semelhante sugestão de redescoberta do cinema, entre o mudo e o sonoro, ao aproximar a experiência a quem perdeu a audição. Apesar do rigor na composição de época, entre o mudo e os anos 70, o trabalho de Haynes acaba por estar demasiado apoiado na história original (e muito visual) de Brian Selznick.

Por fim, 120 Battements Par Minute, o francês Robin Campillo regressa aos anos 90 para a denúncia da falta de ação da industria farmacêutica para encontrar uma solução para minimizar a luta dos seropositivos em França. É o cinema de acção, militante que também se ergue, desde logo servido por uma contagiante e orgânica banda sonora a iluminar a energia contagiante daqueles com um futuro a prazo.

É claro que a Palma é só uma, mas sempre teremos ainda o Grande Prémio e o Prémio do Júri, desde logo três prémios em que o mérito vai para o filme. Uma espécie de galardão para completar o pódium.

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