Por PAULO PORTUGAL, em Locarno (Suíça)
Nastassja Kinski chegou, viu a plateia da Piazza Grande render-se ao seu estatuto de star e falou com o Sol sobre a sua carreira, o estatuto de fama e… Cristiano Ronaldo.
Nastassja Kinski foi convidada especial do Festival de Locarno que decorreu na bela cidade do cantão italiano de Ticino, na Suíça, rodeada pelos alpes e à beira do Lago Maggiore. No ano das celebrações do 70ª edição, vi Nastassja Kinski ao vivo pela primeira vez. Foi em plena Piazza Grande entre os nove mil espetadores que a enchiam por completo. Ironicamente, o festival que entrega o Leopardo de Ouro para o melhor filme da competição internacional atribuiria um prémio especial à atriz que se transforma em pantera negra no icónico A Felina, na visão pessoal de Paul Schrader sobre o clássico de horror de Jacques Tourneur de 1942 (e cuja carreira estava igualmente em retrospetiva no festival). Nessa altura estava ainda longe de imaginar que iria conversar a sós com miss Kinski, não só sobre esse filme, a fama mas ainda o desporto. E nesse tema em particular confessaria a admiração que tem por Cristiano Ronaldo, no fundo como parte do projeto documental sobre a vida e os desafios diários dos desportistas de alta competição.
Quando pensamos em Nastassja Kinski qual será a imagem mais imediata que nos vem à memória? Provavelmente, a de uma atleta de alta competição não estará nem perto. No entanto, se pensarmos um momento, reconhecemos o seu perfil atlético evidente em vários filmes, como em A Felina, e até os níveis de adrenalina que despertam em quem vê os seus filmes; seguramente também a atarefada exposição mediática com que tem de lidar e, acima de tudo, o foco constante em mostrar o melhor de si não estarão alheados desses pensamentos. Assim sendo, se calhar não estaremos assim tão longe dessa comparação, pois não?
Imagine então ser descoberta aos dize anos por Wim Wenders para participar num road movie na Alemanha (Movimento em Falso, 1975). Nove anos mais tarde encontrar-se-iam de novo em Paris, Texas (1984), nessa altura, claro, Nastassja era já uma film star. A estrela que Wenders tinha imaginado. Trabalhariam juntos uma vez mais em Tão Longe, Tão Perto (1993). Claro, já depois de conhecer o seu outro mentor, Roman Polanski, e de ter recebido o aplauso pelo seu trabalho em Tess (1979), onde foi seduzida e seduziu e nos enfeitiçou também. Nessa altura o mundo tinha também já visto a sua transformação e magnetismo em A Felina (1982) tal como o seu momento de sedução ao cantar e dançar em Do Fundo do Coração, de Francis Ford Coppola, no mesmo ano. Esta personalidade extremamente desejável – os olhos verdes ovalados e a sua boca voluptuosa criaram um modelo de beleza feminina – foi também parte da razão pela qual a sua performance acabou por ser replicada em diversos papéis de personagens russas. Claro que ajudou o facto de ser fluente em alemão, inglês, francês, italiano e, claro, russo.
Sejamos honestos, a possibilidade de entrevistar a atriz Nastassja Kinski estava um pouco fora dos meus planos. Não só porque o seu programa ser bastante reservado por ser uma das personalidades do festival, mas também por a maior parte dos jornalistas acreditados desejar ter uma entrevista com ela. Por isso, foi com alguma ansiedade que recebo a proposta da publicista em Locarno para uma entrevista particular com a atriz de Tess, Paris Texas e A Felina. Sim, por vezes a nossa estrela da sorte chega da forma mais inesperada.
Trabalha há algum tempo num projeto intitulado Impossible is Nothing. Há quanto tempo decidiu estudar a vida disciplinada e determinada dos atletas de alta competição?
Há algum tempo. Sabe, eles têm uma vida bastante dura, de estar preparados para se reerguer sempre que algo corre menos bem e, acima de tudo, manter o foco.
Porque a maior parte do tempo têm de dar o máximo de si próprios…
Claro, têm de fazer uma escolha clara na vida.
O nome do seu projeto diz-nos já tanto. A vários níveis.
Fico muito contente que tenha essa reação, porque as pessoas acham que é apenas sobre desporto. E não é, tem uma componente muito mais humana.
Na verdade. Eu acho até que a fórmula “impossible is nothing” poderia se aplicada à sua própria vida …
Sim, a toda a gente. Devemos ser campeões de nós próprios. É como eu vejo isso. Podemos ser quem quisermos. Tudo é possível. Mas, ao mesmo tempo, este é um projeto que tem a ver também com o movimento, com o movimento que nos faz sentir mais saudáveis, mais fortes.
Nesse sentido, poderemos dizer que a Nastassja foi também uma atleta, já que começou a sua carreira muito cedo.
– Alegro que diga que fui uma jovem atleta, porque de certa forma é verdade.
Mas quem era a Nastassja Kinski antes de começar a fazer filmes? Quais eram os seus sonhos?
– Eu era uma sonhadora! Sonhava muito em criança, algo que sempre me ajudou. Por outro lado, fui sempre uma pessoa musical, a música sempre me ajudou muito. E a dança, a água, a natação. Apercebi-me que me sentir bem dentro desses elementos.
Acha que a representação se integra também nisto que está a dizer? Terá a mesma dinâmica?
– Acho que sim, de certa forma. Existe desde logo a componente de ação. Tal como os atletas, também temos de nos preparar.
Em que ponto está esse projeto neste momento?
– Preciso de produtores, um pouco por todo o mundo. Talvez já tenha um alemão.
Já entrou em contacto com o Cristiano Ronaldo?
– Não, ele é inacessível. Ah, o impossível não existe, não é? Por isso, quem sabe… Eu sei. Alguém como o Cristiano Ronaldo é realmente outra coisa. Ele é de outro planeta.
Acha que os atletas são como as estrelas de cinema?
– Sim, de certa forma. Apesar de ser algo separado. A popularidade é encarada de forma diversa, desde logo têm o apoio incondicional das pessoas do seu país. Os atores também não são fáceis, é verdade e também têm uma entourage como os atletas.
Regressemos a Locarno, e aos encontros nos festivais. Aqui tivemos o encontro entre os dois Cat People. A versão original, de Jacques Tourneur, que teve uma homenagem à sua filmografia, e ainda a versão de Paul Schrader, A Felina, de 1982, num dos seus papéis mais famosos. O que representa para si esse filme naquele preciso momento?
– Acho que é um filme incrível, mas nunca tivemos a sensação de estarmos a fazer uma sequela. É um filme único. Fico muito agradecida quando penso nisso. É incrível quando podemos viver os nossos sonhos. Este filme representa um dos momentos mais incríveis da minha vida. Por isso mesmo, sinto-me abençoada e agradecida pela homenagem que teve no festival.
Nassa altura vivia os alucinantes anos 80. Como foi viver essa loucura?
– Felizmente, estava rodeada de pessoas muito interessantes. Ao mesmo tempo isso fazia parte do meu dia-a-dia. Mas mantive esse treino, como uma atleta, como diz. Havia sempre uma atmosfera artística.
O que a ajudou mais nessa altura?
– Estava rodeada de pessoas que admirava muito, que idolatrava. Sentia-me um pouco como Alice no País das Maravilhas. Estava constantemente fascinada com tudo e todas as pessoas.
A verdade é que aos 20 anos de idade já tinha trabalhado com alguns dos mais respeitados realizadores desse tempo: Wenders, Schrader, Coppola…
– Sim, é verdade. Todos eles foram como meus professores. Os fotógrafos também foram muito importantes. Claro, também vi muitos filmes nessa altura. Sem parar.
Isso era deporto. Lá vamos nós outra vez …
– Sim (risos), os filmes eram o meu desporto, a minha fantasia.
Outro encontro que aconteceu aqui em Locarno foi ao ver um filme, Lucky, com o seu amigo Harry Dean Stanton, com quem trabalhou em Paris, Texas. Imagino que seja uma memória bastante grata para si.
– Sem dúvida. Fiz três filmes com o Harry Dean. Ele é fantástico como homem e como ator. Esse filme tem um lugar muito especial para minha vida. Tudo se deve ao Wim (Wenders). Mas o Wim é a minha vida.
Diria que ele é uma espécie de mentor para si, não é?
– Correto. Essa foi também a pessoa que me deu o meu primeiro filme. Foi um bom projeto. Por isso, quando trabalhámos de novo, já o considerava como família.
Lembra-se do momento em que ele a convidou para trabalhar consigo em Movimento em Falso, em 1975?
– Na verdade, foi na sua mulher na altura. Eu tinha 12 anos. Lisa Kreuzer, uma boa atriz. Ela viu-me e começou a falar sobre esse filme. Foi muito gentil e simpática. Quando me perguntou apenas lhe disse que tinha de perguntar à minha mãe. Felizmente, o Wim concordou que eu entrasse, porque se tivesse dito que não provavelmente não estaria aqui hoje a falar consigo.
Como reage quando toda a gente lhe vem fazer sempre as mesmas perguntas sobre os filmes do seu passado?
– Eu compreendo perfeitamente que as pessoas fiquem curiosas. Acho apenas que tive muita sorte em poder fazer isso. Estar rodeada destas pessoas magníficas, ver o mundo. Por exemplo, lembro-me de conhecer o Orson Welles…
A sério? Onde foi?
– Foi na Suécia, quando dei um premio de carreira ao Ingmar Bergman. Lembro.me de ir ter com ele ao backstage e lá estava o Welles. Eu tinha visto o Citizen Kane na cinemateca em Paris, e fiquei fascinada só por estar ali perto dele. Talvez por isso, compreenda, de certa forma, que as pessoas gostem de estar perto das celebridades.
É fascinante como a personagem desse filme, um magnata, conseguiu resumir toda a sua numa palavra: “Rosebud”. A Nastassja também tem uma palavra que possa resumir a sua vida, algo que seja a sua inspiração?
– Temos de querer ter uma. Porque é fácil deixar-nos ir. Acho que temos de nos apaixonar por essa força dentro de nós.
Concordo. Temos de ter essa energia e espírito, como os atletas. Têm de ter muita auto-estima…
– Lembra-se daquele momento do Cristiano Ronaldo em que um jornalista o estava a seguir com alguma falta de respeito quando ia para o treino, e tirou-lhe o microfone e atirou-o para a água?
Claro, foi um momento hilariante …
– Ele deve ter tido uma razão. Deve existir um limite.
Aconteceu-lhe alguma vez estar nessa situação, em que atingiu o seu limite?
– Sei que às vezes não é fácil ser jornalista, mas às vezes, quando ultrapassam certos limites haverá consequências.
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