Acabou por ser a grande surpresa do festival, sabiamente guardada para o final. E que impacto teve. Aliás, o filme funciona como uma bomba relógio prestes a rebentar. Foi a reação a esse impulso após a sessão que nos fez solicitar de imediato a entrevista com Xavier Legrand, o ator de teatro convertido em grande realizador.
De onde foi o seu ponto de partida filme para o filme, foi inspirado em histórias verídicas?
O filme foi inspirado na realidade social. Algo de que me encolerizou enquanto cidadão. Interessou-me o ponto de vista do espetador diante da violência doméstica. Foi algo que ponderei de forma a envolver ainda mais o espetador.
O filme é baseado numa curta metragem sua, de resto vencedora dos Césars e nomeada aos óscares. Porque o fascínio por este tema?
Na verdade, queria fazer uma trilogia sobre o tema, com três curtas, embora abarcando aspetos diferentes dessa rutura, sobretudo quando existe violência. Só que depois do primeiro filme apercebi-me que se tivesse feito outras duas curtas teria também perdido algum equilíbrio. Por isso optei por fazer uma longa.
Que tipo de pesquisa fez? Falou com vítimas, advogados…
Fiz uma pesquisa, sobretudo do ponto de vista psicológico e social. Li muito sobre a matéria, algo que não foi fácil. Mas quis perceber o outro lado desta realidade. Os manipuladores, as vítimas… Depois encontrei-me com vítimas, juízes e mesmo com homens violentos. Era importante que compreender todos os aspetos e atores que participam nessa violência.
O filme começa de forma quase documental como um filme de pesquisa, mas que vai deslizando depois para o terreno no horror. Interessou-lhe essa combinação de géneros?
Sim, foi essa a minha intenção. Por isso o filme começa no escritório de um juiz e acaba quase num filme de horror. A verdade é que nunca conseguimos aperceber-nos das diversas formas de violência que se passam no foro doméstico, ao ponto de um homem tentar matar a mulher que já amou.
Acha que este filme pode promover algum tipo de mudança entre alguma mudança política e promover algum tipo de debate mais aberto sobre o assunto?
Sim, é a minha intenção que se possa abrir esse debate. Há várias questões que têm de ser debatidas, sobretudo a questão do melhor bem-estar das crianças. Espero que o meu filme possa ajudar a alterar alguma coisa.
Que desafio teve ao filma com esta criança num cenário tão violento?
O desafio foi que passasse o melhor possível, mas cedo verifiquei que a sua qualidade inata de ator veio ao de cima. Este é um filme sobre violência doméstica, mas trabalhei sempre no nível de emoção. A verdade é que ele é bastante natural, pela forma como escuta e se entrega à ação.
De que forma a nomeação aos Óscares facilitou o seu trabalho e acesso ao financiamento?
Não sei a nomeação se alterou assim tanto. É claro que me ajudou a legitimar o meu trabalho como realizador, já que eu sou essencialmente ator de teatro. Acho que obtive o financiamento porque o argumento interessou de forma natural.