O nome é chique e assenta como uma luva à cidade da moda que acolhe o turismo dos navios-hotéis, autênticos patrulheiros do Mediterrâneo, bem como os visitantes que procuram a excitação da movida, e até aqueles que aterram no aeroporto em voos low cost, sem saberem que mesmo ao lado da pista de aviação moram mais de 60 famílias, maioritariamente de etnia cigana e oriundos das ex-colónias africanas, cujas maiores preocupações são o lixo acumulado que ultrapassa o telhado de zinco da barraca e as ratazanas do tamanho de coelhos. Sim, esta é a outra história de Lisboa.
Claudio Carbone, o cineasta italiano que se assume como arquiteto, aproveitou o programa Erasmus em Portugal para explorar o lado mais prático da habitação informal, aquela que possibilita um melhoramento social dos equipamentos habitacionais e comunitários. O esforço foi direcionado para o Bairro da Torre, em Loures, com a tal vista desafogada para o aeroporto, mas onde a energia elétrica foi cortada durante meses, por falta de pagamento à EDP, e abundou o lixo acumulado. Uma carência profunda que não se vê nem nas favelas do Rio Janeiro, onde desenvolveu também experiências de arquitetura informal, conforme nos explicou em entrevista (ler aqui).
Por isso mesmo, este é um cinema de denuncia, ativista e empenhado. No início de Another Lisbon Story, vemos um garoto que procura criar um espaço fechado, uma pequena cabana, erguendo duas peças de contraplacado, mas que logo se desmoronam. É um pouco nesse registo objetivo que Carbone atua, acompanhado por estudantes da Faculdade de Arquitetura, tentando promover junto dos habitantes uma tentativa de organização comunitária que lhes permita reaver uma réstia de dignidade social. Um pouco como a Quinta do Mocho, um bairro onde outrora uma pesquisa do Google informava sobre tiros e gangues, mas agora o bairro mudou e hoje é vivido por uma força bem diversas graças aos murais que enchem fachadas de prédios numa autêntica galeria de arte pública. Seja como for, no Bairro da Torre não existem prédios, só barracas.
Este filme funciona então como um programa de ação, por vezes próximo da reportagem televisiva, embora por vezes interrompido por pedaços de arte, como aquele em que os locais irrompem em danças folclóricas com o som que serve de banda sonora ao filme. Pelo meio há reuniões de moradores, estudantes e agentes camarários, há discussões e projetos que se decidem. Uns serão cumpridos, outros dependerão da iniciativa e estímulo dos moradores. Nem que seja o campo pelado no lugar da lixeira a céu aberto.
Another Lisbon Story é um filme que não tem a pretensão de mudar o mundo ou o estado das coisas. Mas ajudará, pelo menos, a alterar algumas consciências e a forma de pensar, sempre fiel a um registo de documento social, género que tem evoluído e enriquecido de preocupações estéticas, para além da denúncia em estilo de reportagem. Uma das imagens que nos fica é a cigana sentada num jerrican de água que questiona a câmara “queremos água; ao menos água…” Nesse sentido, Another Lisbon Story já vale mais do que um qualquer blockbuster pipoqueiro.
O filme cumprido o seu calendários de festivais, tendo sido exibido recentemente no XIV Festival de Direitos Humanos de Barcelona.