O novo filme de Aki Kaurismaki será mesmo o “novo” de Kaurismaki ou apenas um aperfeiçoamento, um novo adorno, uma variante de um tecido que começou no início dos anos 80 e que se tem prolongado ao longo de uma vintena de filmes? Mas este “novo” não tem nada de “velho” ou usado, já que nestas personagens caídas em desgraça percebemos sempre esse outro lado da esperança. Mas sem sentimentalismos. Nem sorrisos. Mas essa postura estoica, tão finlandesa, afinal de contas tão calhada para os tangos sérios que habitam os seus filmes.
O cinema de Kaurismaki é também um cinema de compartimentos que ele quer chamar de trilogias. Aqui, a abordar o lado da emigração que o preocupa, e que já havia principado em Le Havre, onde um negrinho é acolhido por um sapateiro (espantoso Andre Wilms). Agora, é o sírio Khaled (o não ator Sherwan Haji na sua estreia), um emigrante ilegal a ser descarregado por um navio mercante. Só que quando se candidata às autoridades locais a um asilo político, asseguram-lhe que a situação em Alepo não é de molde a essa solicitação. Essa é talvez uma das primeiras ironias deste filme. Uma ironia num país com a abertura da Finlândia, mas também com os seus problemas de extrema-direita. São essas as sombras no paraíso?
Paralelamente, seguimos o destino de um homem que abandona a mulher e que depois de ganhar dinheiro ao jogo o investe num restaurante chamado Imperial Dourada. Uma nova oportunidade para Sakari Kuosmanen, um ator com uma carreia de quase exclusividade a Aki Kaurismaki (com ele participou numa dezena de filmes, portanto metade), com algumas concessões ao irmão Mika e a uma colaboração com Jim Jarmusch. Com ele temos também uma pequena galeria de habitués, como a inevitável Kati Outinem (numa quase tão longa colaboração, desde Sombras no Paraíso, em 1986, e A Rapariga da Fábrica de Fósforos, em 1990) que vão gerindo este pequeno espaço que acabará por se travestir ao longo do filme de diversos temas e sabores. As duas histórias unem-se a partir do momento em que Khaled é admitido como força de trabalho.
Mesmo sem ser um dos melhores Kaurismaki – aliás, a concorrência é feroz – o próprio confessa isso na nossa entrevista, tal como a riqueza do texto, dos diálogos, dos sets vintage, em intensas cores primárias, bem como do estilo da câmara de Timo Salminen que acompanha Kaurismaki desde o saudoso Calamari Union, em 1985, a sua estreia na ficção, depois do ruidoso documentário Saimaa-ilmio, que fez com o irmão Mika em 1981.
Podemos até dizer que este Do Outro Lado da Esperança é um pouco todo o seu cinema anterior, sem que isso retire qualquer mérito ao realizador de 60 anos. Desde logo por se tratar de um filme vintage em que joga com as personagens que conhecemos, graças a um convidativo déjà vu, como o hooligan que quer espancar Khaled, com o mesmo papel num outro filme. Mas é também aí, nesse permanente holograma, que trata os temas mais deprimentes em estilo de comédia séria, que o cinema de Kaurismaki se renova e cresce.