Lady Bird chega finalmente às nossas salas no Dia Internacional da Mulher, o que é uma coisa boa. Isto apesar de ter saído de mãos a abanar da cerimónia dos Óscares. Ele que era até uma espécie de cavalo de corrida para dar expressividade ao significado #MeToo. Para além de vir nomeado para Melhor Filme, distinguia ainda a estreia na realização (a solo) de Greta Gerwig, bem como o seu guião que permitiu que Saoirse Ronan (aos 24 anos já com três nomeações aos Óscares) e Laurie Metcalf arrancassem interpretações dignas de Óscar.
Miss Ronan é genial na composição da jovem Christine, em mais uma genial prestação de Saoirse Ronan que do alto da sua adolescência, decide auto intitular-se Lady Bird. Talvez essas asas lhe permitissem elevar-se da mediania dos colegas do liceu. É claro que nesta lady de Sacramento poderemos talvez imaginar uma versão anterior de Lady Gerwig (também ela natural da mesma localidade), uma jovem de espírito intenso, cujos progenitores (uma enfermeira e um consultor informático) acabam por estar de certa forma espelhados nos pais de Lady Bird, tal como na vocação da personagem e da autora para se dedicar a diversas atividades criativas.
É no primeiro desgosto amoroso, em que surpreende o namorado (Lucas Hedges) aos beijos a outro colega, que cresce parte da sua maturidade, dando conta dessa idade complexa e feita de diversas guerras. Uma delas acaba por trava-la com a mãe (a genial Laurie Metcalf que deixou tantos insatisfeitos por ter perdido o Óscar secundário – foi para a igualmente suprema Alysson Janney, em Eu, Tonya, curiosamente num outro papel de mãe incompreensiva. Talvez não existam assim tantas cenas fracturantes de mãe e filha como a que vemos aqui. Por isso, quando falarmos de filmes dessa etapa de crescimento vital, Lady Bird terá de ser referido como digna referência .
Enquanto vai atravessando as mini depressões próprias da idade, planeia secretamente a sua fuga para Nova Iorque, a Metrópolis cosmopolita capaz de lidar com a sua rapidez de raciocínio e a extrema lucidez perante a vida. Ao mesmo tempo, observa uma América só aparentemente unida a lidar com um pós-11 de Setembro, em 2002, em plena guerra do Afeganistão (Greta Gerwig tinha a mesma idade nesse ano), atravessando romances mais ou menos fugazes (Timotée Chalamet, de Chama-me Pelo Teu Nome, será um deles), mantendo amizades menos óbvias e um relacionamento doméstico incerto.
Greta Gerwig até pode não ter obtido o reconhecimento que seguramente daria outro brilho a uma cerimónia cinzenta, quando deveria ser luminosa, e previsível quando deveria ser politicamente mais ativa. Ainda assim, deixa a sua pegada bem explícita no tal meio onde as oportunidades no feminino continuam a ser mais difíceis.
Mesmo sem necessidade de citarmos Richard Linkalater, bem podemos dizer que este Lady Bird é um verdadeiro ‘Girlhood’. E se quisermos até podemos prolongar a personalidade assumidamente livre de Greta Gerwig na deliciosa deriva em Nova Iorque, no excelente Frances Ha, escrito em parceria com Noah Baumbach, e que este realiza, num misto de nouvelle vague e no Woody Allen de Manhattan. Sim, Lady Bird é daqueles filmes pequenos, mas que são uma preciosidade.
Um dos mais inteligentes, modernos e conseguidos registos sobre essa idade turbulenta e inconstante da adolescência, assente numa narrativa que contorna o óbvio e dá espaço para Saoirse Ronan e Laure Metcalf brilharem. É também uma estreia muito conseguida de Greta Gerwig no assento da realização.