Sueño Florianópolis é, por assim dizer, a concretização de um sonho de co-produção. Em particular neste aliciante e revelador balanço de partilha de culturas entre a Argentina e o Brasil, que foi também um dos dos filmes que mais nos impressinou na seleção oficial para o Globo de Cristal do 53º Festival de Karlovy Vary. A atriz, realizadora e produtora argentina Ana Katz cumpre da melhor forma este registo muito eficaz de comédia romântica ao abordar as peculiaridades entre brasileiros e argentinos durante uma aventura de férias de verão, onde se notam até ecos de Uma Novia Errante, exibido em 2007 na secção Un Certain Regard do festival de Cannes.
Motivos de humor não faltam neste filme pleno de possibilidades que se vêm em permanente riso miudinho e que se pode muito bem encarado como uma viagem nostálgica ao álbum de férias do verão de 1990. Como não podia deixar de ser, Sueño Florianópolis vem cerrgadinho de subtilezas de linguagem e num permanente ping-pong linguístico entre as duas línguas em que, invariavelmente, se encaixa no famoso ‘portunhol’.
Mesmo sem o receio de aflorar certos clichés, como a mania da poupança argentina ou um certo lado mais trapaceiro e libertino brasileiro, o guião de Ana e do irmão Daniel Katz, torna-os irremediavelmente sempre eu seu favor. Isto desde que Lucrecia e Pedro (Mercedes Morán e Gustavo Garzón) e o seu casal de filhos adolescentes (Joaquin Garzon, filho de Gustavo, e Manuela Martinez) se fazem à estrada na sua carrinha Renault 12 atulhada, para uma viagem de quase dois mil quilómetros, de Buenos Aires a Florianópolis. Depressa nos irão alimentar de peripécias e enganos, desde ficarem parados na estrada por falta de gasolina, ou convenceram a rececionista de um motel a ceder-lhes um quarto para os quatro elementos da família, mas também a perceberam que a sua reserva de casa ‘mais em conta’ era afinal de contas uma barraca em mau estado.
Como não podia deixar de ser – ainda mais em ano de Mundial – a picardia do futebol não ficou de fora nesta ancestral rivalidade entre as duas nações tão irmãs quanto rivais. Sobretudo nesse célebre ano de 1990 em que a Argentina de Maradona derrotou o Brasil de Romário, nos oitavos de final da competição, embora acabando por perecer aos pés da Alemanha na final de Roma.
Finalmente no seu desejado paraíso, ou seja, na casa cedida pelo brasileiro Marco (Marco Ricca), irremediavelmente desprendido, romântico e entusiasta de cervejinha, os argentinos acabam por gradualmente ceder a esse turbilhão de emoções. Bem mais focados nas emoções dos pais, dos que na dos filhos, talvez aqui numa partilha mais próxima da própria realizadora, lentamente se abrem as portas aos romances estivais e talvez até a uma certa aproximação com as mais banais narrativas de férias. A diferença é que aqui o apuramento do guião, a entrega de todo o cast e o cuidado com uma mise en scène realista evita o lugar comum de tantas comédias esquecíveis dos anos 80 e 90 e não tem receio de celebrar os ‘pequenos momentos’ que fazem toda a diferença. É tão bom quando isso resulta no cinema.