Este não é o retrato da artista enquanto jovem, mas talvez o filme biográfico com o desejo de desafiar essa qualificação. Desde logo por abordar uma fase de Nico em que tentava afirmar a sua persona e superar a etiqueta colada pela sua colaboração com os Velvet Underground. Por isso mesmo ela vai avisando numa entrevista: Quero falar da música que faço hoje e não do passado.
Tal como muitos outros artistas (ou atores), cuja carreira os cristalizou nos seus melhores momentos, surge esse período de lucidez. Ainda que em Nico não seja alheio à sua dependência de heroína, sobretudo durante a atribulada digressão europeia de 1987 que o filme acompanha, pouco antes de morrer no ano do título com um acidente de bicicleta.
Talvez, por isso mesmo, o mais interessante de Nico 1988 seja esse foco da artista na recusa de ser um ícone, mas também a vontade da realizadora italiana Susanna Nicchiarelli em assentar a trama nesse derradeiro período em que a artista recuperou o seu nome Christa Päffgen e em que descobriu algum prazer em cantar e até de recuperar a sua relação com o filho Ari, fruto de uma paternidade nunca assumida com o ator Alain Delon.
A dinamarquesa Trine Dyrholm (A Comuna) demonstra segurança nesse desafio, ousando emprestar a sua própria voz, ainda que um pouco mais baixa que a da cantora alemã. Pena é a insuficiência de um guião algo conservador que acaba por desbaratar alguma vitalidade ao aceitar percorrer alguns clichés de estrelas rock.