A simplicidade terrena de um prado de trigo e a imensidão do céu aberto servem de elementos naturais sugestivos à voz inconfundível de Jeremy Irons que empresta o devido tempero a este convite à viagem – também ela de corpo e alma – pelas incontáveis riquezas do Museu do Prado. Foi precisamente por ocasião do seu bicentenário que foi produzido o documento O Museu do Prado proporcionando uma magnífica viagem através da História da Arte e à riqueza do ‘Século de Ouro’ (entre o Renascimento do XVI até ao Barroco do século XVII) que sucessivas dinastias imperiais também marcaram o seu peso pela aquisição de milhares de obras de arte.
É este imenso espólio em nome de reis que importa recordar (e recuperar) no novo documentário integrado no ciclo A Grande Arte no Cinema promovido pela Festa do Cinema Italiano em diversas salas de cinema do país. Porque a arte grandiosa não deve ser vista numa escala menor. Até porque seguramente nos convidará a uma contemplação real em Madrid.
A viagem principia precisamente com a contemplação da famosíssima obra de Ticiano, La Gloria, ele que era considerado uma espécie de ‘Pai do Prado’ pelo peso e influencia da sua obra. Este é um quadro de profundo valor espiritual encomendado pelo imperador Carlos V, que o próprio escolheu para os seus olhos verem momentos antes da sua morte em 1558. Mas só com o Rei Fernando VII, de Burbon, o derradeiro rei absolutista antes da monarquia constitucional, e pela inspiração da sua mulher, Isabel de Bragança, se avança com a construção do que será o Museu Real de Pintura, inaugurado a 19 de Novembro de 1819. Só em 1869 seria nacionalizado e convertido no Museu Nacional do Prado, um espaço quase exclusivamente de contemplação masculina, já que a presença artística feminina se reduzirá a menos de uma dezena de obras, mas em que o corpo feminino é celebrado na tua totalidade. De tal forma que durante muitos anos os quadros mais reveladores eram guardados numa sala reservada, apenas para deleite masculino igualmente reservado.
Ao longo dos corredores ornamentados por obras maestras do Renascimento e da pintura Flamenga e Espanhola seguimos um trajeto também ele marcado pelas intervenções do diretor do museu, Miguel Falomir, partilhando o que Tintoretto e outros lhe ensinaram sobre o espaço na pintura e a linguagem cinética. Seguramente, um aperitivo que nos ajuda a detalhar certos pormenores que se relacionam com a própria dimensão dos quadros. Por exemplo, o gesto contorcido de uma figura no quadro A Descida da Cruz, de Van der Weyden, que a atriz Marina Saura encara como uma expressão a la Pina Bausch. Mas há Goya, claro, o pintor oficial do reino, com mais de 900 trabalhos e de uma exaltação que inspirou diversas gerações.
É também esta transversalidade da arte que diversos convidados, como o arquiteto, Norman Foster, entre outros, encontram e sugerem num espaço que se deseja (cada vez mais) vivo. Pois entre a verve e a criação do artista há algo que atravessa o tempo e se intromete com a eternidade. Como a proposta de La Gloria, de Ticiano. Admira-se também a paixão pela vida dos flamengos Rubens e Van Dyke, o incontornável Velasquez, o fulgor e a violência dos vermelhos de Goya, a imponência expressionista de El Greco ou opulência de Rembrandt. E é pela capacidade destes artistas em transcender a vida que recebemos hoje esse olhar intemporal que nos permite até encarar-nos a nós mesmos.