Domingo, Outubro 13, 2024
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Doclisboa: Ao Insider, Avi Mograbi afirma: Admiro Portugal pela forma como as forças militares derrubaram a ditadura e devolveram o país às pessoas”

Na nossa conversa com o cineasta ativista israelita, via Zoom, para Telaviv (em Fevereiro passado, durante a Berlinale), abordamos o seu novo trabalho The First 54 Years – na Abbreviated Manual for Military Occupation, o eterno conflito israelo-palestiniano e o elogio como foi conduzida a transferência de poder no 25 de Abril. O filme esteva programado para a 18ª edição do Doclisboa que decorre até ao próximo domingo dia 31.

Hello, my name is Avi Mograbi, i’ll be your guide through this abbreviated manual for military occupation, informa um Avi Mograbi, de olhar lancinante, a segurar um livro onde estarão contidas as estratégias essenciais para manter a ocupação vigente na região há mais de meio século. A comunicação é muito directa, falando directamente para a câmara, como tratando-se de um workshop de estratégia geo-política para potenciais candidatos maquiavelianos a dominar o território adjacente a Israel. De certa forma, um conhecimento que este activista adquiriu ao longo de uma vida observando a relação de Israel com os vizinhos palestinos. Ao iniciarmos a sessão Zoom com o cineasta, em directo para Telaviv, a principal diferença que notamos foi mesmo a ausência da barba tipo pera, para além, claro, de uma atitude bem mais amistosa.

O filme acompanha uma série de capítulos pedagógicos, devidamente acompanhados pelo contributo de dezenas de ex-militares da organização ‘breaking the silence’ de que Mograbi foi um dos fundadores. Ex-militares que aceitaram reviver a sua própria posição durante várias fases da ocupação, naturalmente complementada por imagens de arquivo da época. Fundamental mesmo é a postura militarista de Mograbi que dá a forma particular a este filme.

“Era necessário criar uma lógica”, confirma. “Ninguém acredita que Israel mantém a ocupação apenas para torturar o povo palestino, pois existe um motivo maior. E a razão não é o tipo de ocupação que os países europeus usaram, Portugal incluído, em África, para explorar recursos naturais ou humanos. Pelo contrário, Israel deseja a terra, mas sem as pessoas. Israel não quer essas pessoas. Nesse sentido, foi necessário criar uma lógica. E assim nasceu este manual.”

Percebe-se que Avi Mograbi é o cineasta certo para este projecto, ele que tem já uma vasta experiência no tema e mais de uma dezena de filmes não ficção, muitas vezes incluindo elementos de alguma provocação que motivam a reflexão. Daí a ideia de conceber um manual para ser concebido como se ele próprio fosse alguém dentro do sistema . “Senti que devia oferecer-me com voluntário. Acho que não sobreviveria se não me metesse num projecto semelhante. Foi assim que criei a barba e a ironia, embora a personagem não se aperceba disso. Essa é apenas a ironia do realizador. Decidi tornar-me numa personagem maquiavélica. Um cínico, apenas emprenhado em alcançar o objectivo. E ignorar as pessoas.”

Entre as dezenas de soldados que dão a cara no documentário e que foram mudando de opinião ao longo dos tempos, percebem-se as reações de desespero face a situações de agressão. Mesmo que Avi seja algo reticente diante de uma ‘luz ao fundo do túnel’ sobre esta eterna questão. Até porque existe uma razão de base que a explica. “A explicação habitual para esta ocupação é a mesma: por “razões de segurança”, para “defender o país de ameaças externas”. No entanto, se olharmos para a história de uma forma mais crítica, verificamos que Israel começou a instalar colonos pouco depois do final da guerra, em 1967. Alguns meses depois já haviam criado uma corrente de colonatos ao longo do rio Jordão, marcando com clareza onde deveria ser a fronteira com o resto do mundo árabe. Para além disso, foi dito que os colonos eram temporários até se chegar a um acordo com os palestinos ou com quem seria os legítimos donos da terra, iriamos retirar os colonos. Foi por esta razão que o Supremo Tribunal se recusou em lidar com o assunto, pois segundo a Convenção de Genebra este é um crime de guerra.”

Ao longo deste meio século de ocupação o sistema foi-se adaptando. E criando mesmo soluções alternativas. Até porque, confessa-nos o cineasta de 66 anos, “os israelitas gostariam de se esquecer que existe uma ocupação. Existe até uma enorme rede de estradas que permitem a qualquer israelita viajar sem ver palestinos. Ou seja, tornaram a ocupação invisível.”

Aparentemente, um estado de coisas que não deverá sofrer alterações nos próximos tempos. “Temos eleições dentro de poucas semanas e poucos partidos mencionam a ocupação. Não está na agenda. Por isso, o trabalho de ‘breaking the silence’, a organização de soldados veteranos em que estou envolvido e sou um dos fundadores, assumiram a tarefa de tornar a ocupação visível recolhendo testemunhos de soldados e tornando-os públicos.”

Avi Mobragi é pragmático e coloca a questão da ocupação ilegal de uma forma clara, sublinhando a relevância da questão entre agressor e vítima. “Interessa-me o fenómeno daqueles que eram vítimas e tornaram-se em agressores. Seria legítimo pensar que a vítima teria aprendido algo da sua experiência traumatizante. Quando dizemos ‘never again!’ para o que sucedeu na 2ª Guerra Mundial, isso significa também que nós não o deveríamos fazer.

Por isso mesmo dá o exemplo do nossos país, pela forma como lidou com o processo revolucionário. “Admiro muito Portugal pela forma como as forças militares derrubaram a ditadura e devolveram o país às pessoas. É algo tão incomum. Normalmente quando o exército toma conta do poder, veja-se o que acontece um pouco por todo o lado. Nunca mais o liberta.”

Numa altura em que Israel se prepara para regressar às urnas em novas eleições antecipadas, daqui a cerca de duas semanas, vive um novo impasse para político. Avi Mograbi não está optimista com esse desfecho. “Era muito importante que o Netanyahu fosse afastado. Mas, infelizmente, os outros candidatos ainda são mais extrema direita. Não aposto em mudanças tão cedo. Mas também sei que dez anos antes de terminar o Apartheid na África do Sul, nem você nem eu esperávamos que terminasse e da forma que foi. Por isso desejo que exista algum deus ou uma super-força que possa intervir. Que o super-homem vista a sua capa e ponha as coisas na ordem. Não é só Israel, mas temos de ser muito optimistas para acreditar que tudo isso possa acabar”.

Quando lhe pedimos para se referir ao renascimento de uma direita que parece “saída do armário”, o veterano realizador assume-se igualmente incrédulo. “Todos acreditavamos que depois da 2ª GM o mundo tinha aprendido. Eu era muito novo nos anos 60, mas acreditava que tudo ia ser paz e amor. Mas depois todos esses hippies tornaram-se em yuppies na bolsa. Não consigo explicar isso.”

 

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