Sábado, Dezembro 7, 2024
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Lumière: Gentlemen and miss Lupino, ou como ela revolucionou o cinema muito antes do #Metoo

“Gentlemen and Miss Lupino”. Era assim que se iniciavam as reuniões da Director’s Guild, já em plenos anos 50, pelo menos desde que Ida Lupino passou a ser aceite no seu seio. Esse é também o título do revelador documentário, precisamente com o mesmo nome, assinado pela dupla Clara Kuperberg, Julia Kuperberg e exibido no Festival Lumière. No fundo, um precioso documento que nos ajuda a perceber alguns dos passos fundamentais do caminho de uma certa paridade entre géneros no cinema. Sim, poderá talvez considerar-se que Ida Lupino (mas não só) constitui uma das sementes daquilo que hoje é defendido pelo movimento #MeToo.

Recorda nesse documentário Ally Acker, autora de Reel Woman Pioneers of the Cinema, que “as reuniões começavam com 1300 homens e uma Ida Lupino” e antes de se começar lá vinha a frase de boas vindas: “gentlemen and Miss Lupino”. Até porque, recorda, “Ida Lupino era a única realizadora em Hollywood durante os anos 40 e 50”. E segundo rezam as crónicas, para os defensores da superioridade masculina, às mulheres não cabia a possibilidade de serem realizadoras, produtoras. Restava-lhes apenas, naquelas anos iniciais de Hollywood, o registo de ‘mulheres no ecrã’. Precisamente, o lugar que coube a Miss Lupino, imediatamente sexualizada para Paramount, por parecer mais velha que a sua idade. Algo que a fez recusar inúmeros papéis, o que lhe valia suspensões sucessivas. Ela chegaria mesmo a queixar-se de um período em que que estivera mais tempo de suspensão do que fora de suspensão, a trabalhar no cinema.

Esta era o período em que os atores eram propriedade do estúdio, por conseguinte, sem direitos, sem poderem recusar papéis ou fazer comentários sobre os mesmos. Acontece que Ida Lupino não era assim. Determinada, em 1935, durante uma suspensão luta por um pequeno papel em Peter Ibbetson (1935), de Henry Hathaway, em que seduz Gary Cooper com apenas com uma breve linha de diálogo insinuante. Só que essa vitória seria breve valendo-lhe pequenos papéis estereotipados em filmes de série B.

Seria a colunista de mexericos Hedda Hopper a dar-lhe um conselho decisivo que a transformaria numa “actriz a sério”. Segundo ele, bastava-lhe deixar crescer as sobrancelhas e tirar a maquilhagem. Algo que lhe valeu tornar-se numa estrela a sério da Warner. Só que Ida tinha outras ambições. Fundou a sua própria companhia, a Filmmakers. “Queria fazer filmes com boas histórias e caras novas”, haveria de afirmar. Portanto, co-assinando e co-produzindo. Isto significava abordar com a devida profundidade temas incómodos para a época, como a gravidez indesejada, evidenciada em Not Wantded (1949), este um filme captado na rua, já com um improviso que seria muito aproveitado pelos cineastas da new wave.

É também esse lado de mulher de trabalho que lhe valeu ser considerada “a realizadora mais empreenderora do mundo”. Sobretudo pelo trabalho realizado no pós-guerra, no registo televisivo, com cerca de 40 episódios para televisão realizados entre 1956 e 1968. Isto além de oito filmes em que figura como realizadora, mesmo que em alguns não esteja creditada, como sucede nas cenas que filmou em Cega Paixão/On Dangerous Ground, de Nicholas Ray.(1951), em períodos em que Ray esteve doente.

Ida Lupino fez coisas que ninguém fazia na altura, no fundo abrindo caminho para que outras mulheres se estabelecessem como realizadoras e não só, tanto no cinema como na televisão. Criou meso o seu próprio estúdio, o que lhe permitiu fazer os filmes que Hollywood nunca faria, desde abordar casos de violação, mães solteiras, ou pessoas com doenças traumáticas.

A verdade é que até 1920 havia muitas mulheres envolvidas na indústria, mais do que numa outra época qualquer, realizando filmes, escrevendo guiões, atrizes, montagem. Isto até ao ‘studio system’ se impor em 1928 tornando-se num grande negócio. A partir dessa altura, sem possibilidade de se juntarem aos sindicatos, as mulheres ficaram postas de lado. Portanto, desde os anos 30 até ao final dos anos 70. A própria Lupino refere, em voz própria, da sua biografia Beyond the camera, “Hollywood excluía mulheres de uma forma deliberada”. Por isso, bem poderemos dizer que ainda bem que tivemos Miss Lupino.

 

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