Sábado, Dezembro 7, 2024
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KVIFF – Maksym Nakonechnyi, realizador de ‘Butterfly Vision’ não dúvida: “A Rússia tem de ser derrotada”

Falámos com o jovem Maksym Nakonechnyi depois de sairmos impressionados do seu filme, Bachennya metelyka/Butterfly Vision, uma co-produção entre a Ucrânia, República Checa, Croácia e Suécia, exibido em KVIFF na secção Horizontes. Isto já depois da sua passagem na secção Un Certain Regard, em Cannes, onde a prestação da actriz Rita Burkovska deixou a sua marca, como a militar de olhar impassível que trabalha nos sistemas de reconhecimento aéreo, operando com drones que sobrevoam a região em combate. O filme introduz-nos no momento em que é alvo de uma troca de prisioneiros, na região do Donbass, durante o conflito em 2014. A sua realidade altera-se a partir do momento em que descobre que está grávida dos seus agressores.

Maksym que na altura estava a montar um documentário, sobre mulheres envolvidas no conflito entre a Rússia e a Ucrânia, imagina esta história a partir dos diversos relatos recolhidos. Mas além da narrativa há esse ponto de vista aéreo, esse ‘butterly effect’, o ponto de vista habitual Lilya (Burkovska) – será esse o seu próprio ponto de vista? – que abarca uma área maior, mais distanciada, e menos detalhada, mas que se cruzará com uma visão idêntica ao scan que comanda – a imagem da ecografia do interior do seu corpo que mostra esse ser humano. Sim, temos filme. E temos cinema.

(clip Cineuropa)

A nossa conversa decorre em Karlovy Vary, onde o filme foi exibido na secção Horizontes. Em perfeito inglês, este cineasta que estudou na escola de cinema e televisão de Kiev, a cidade onde vive, convoca a noção do ‘herói’ da clássico para explicar com clareza a natureza da razão do envolvimento ucraniano nesta invasão do seu território. Mas numa altura em que o conflito assume uma natureza impensável em pleno século XXI, a resposta do cinema faz muito pelo esforço de guerra. Por isso, é mesmo por aí que começamos.

Talvez a razão para fazer este filme, dentro do ambiente do actual conflito no seu país, se explique por si própria. Mas qual o significado que tem para si o facto de este ser o seu primeiro filme?

Claramente representa o tempo e as condições em que vivemos, o período da História em que vivemos e com aquilo com que eu me identifico. Não havia outra hipótese.

Onde é que vive neste momento?

Em Kiev.

E como estão as coisas por lá? Apesar do filme ser uma ficção, por vezes a realidade que evidencia assemelha-se a algo que vemos em blocos noticiosos de informação, tanto na TV como nos jornais.

De vez em quando, os rockets chegam e temos sinais de alertas quase a toda a hora, portanto nunca sabemos onde e quando vai atingir o próximo rocket. É claro que toda a região dos arredores de Kiev está destruída. Muitas pessoas que tinham as suas casas nessas regiões – pessoas que estão no meu círculo, na minha comunidade -, perderam as suas casas. Perderam tudo. Muitos de nós temos amigos que estão a combater, muitos de nós temos amigos ou pessoas conhecidas que já morreram. É algo que continua e nunca acaba. É uma sequência interminável de tragédias.

Na verdade, tudo isto se assemelha uma ficção de má qualidade, embora num mundo real. Como é que isto poderia ter acontecido? 

Mais do que isso. Não digo que seja drama ou ficção, mas mais uma tragédia antiga. Algo que se relaciona com a definição dos conceitos entre o Bem e o Mal. E de que temos de continuar a combater, mesmo quando não há esperança.

Tenho de dizer que os ucranianos têm transmitido ao mundo uma nova razão para acreditarmos naquilo que nos une.

Sim, veja bem, uma palavra muto popular hoje em dia é a de ‘heróis’.

Sim: Slava Ukraini!

Heroiam slava! Sim, é uma palavra muito popular. E tem um significado muito importante quando estamos a falar de tragédias antigas, por exemplo. Os mitos de deuses e heróis. O nosso professor de dramaturgia na universidade – que recentemente perdeu o filho no campo de batalha -, dizia que a definição de herói na dramaturgia grega representa aqueles que continuam a actuar em condições irremediáveis. E, dessa forma, as superando. Esta é a definição de herói, não a do guerreiro, daquele que se sacrifica, mas aquele que actua em situações sem solução.

Rita Burkovska em ‘Butterfly Vision’: Foto: KVIFF

A personagem do seu filme é uma heroína também, no sentido do rumo que decide tomar. Como desenhou esta personagem? Inspirou-se em alguém em particular?

Acho que é uma imagem colectiva de várias pessoas. Mulheres e homens que fizeram as suas escolhas conscientes e decisões, mesmo diante de consequências muito pesadas, procurando superá-las e assim tornando-se em melhores versões deles próprios. Em guias morais. Mesmo quando as suas acções não são totalmente compreensíveis para outros, porque têm uma visão mais alargada deles próprios e da realidade. Não criei esta história de uma forma intencional.

Sim, como foi que surgiu esta ideia?

Eu estava a editar um documentário sobre mulheres soldados e veteranos (Invisible Batallion) e uma das protagonistas disse uma frase que me impressionou muito.

Que frase foi?

Ela disse que a coisa mais assustadora era ser capturada. Por esse motivo, o seu nome era até masculino. Assim os separatistas russos não sabiam que era uma mulher. Ela até combinou com os companheiros que a matassem se ela um dia fosse capturada. Fiquei tão impressionado com isto que comecei a procurar uma mulher em cativeiro. Foi assim que cheguei a esta colisão inicial da história.

É uma decisão de guião corajosa fazê-la passar pela situação que passa (descobrir que está grávida e decidir ter a criança). Porque tomou essa decisão? Acho que isso supera mesmo o heroísmo…

Sim, claro. Ao mesmo tempo, é sobre a sua forma de compreender e ter a certeza de superar essa experiência. Ela necessita de continuar a poder controlar a sua vida, pois é uma questão de sobrevivência física. Por vezes, não é compreendida por outros. Mas ela assume as suas escolhas pessoais e o seu próprio caminho.

Daí a justificação da sua decisão final (o que fazer com o seu bebé)

A realidade corrente mostra-nos que a sua decisão final não foi apenas dela lutar e descobrir o seu próprio caminho, mas também de se aperceber de uma ameaça maior.

Onde foi que decorreu a rodagem do filme?

Em vários locais Por exemplo, a cena da troca de prisioneiros foi filmada na região de Donbass, em Abril de 2021. Por sinal, foi nessa altura em que os russos começaram a juntar tropas junto à fronteira. Na verdade, uma semana antes de filmar essa cena, tivemos de trocar o local, encontrámos depois outro local, mas no Donbass. No entanto, as as cidades destruídas que aparecem no filme foram criadas em efeitos visuais (VFX), pois a mesma praça que vimos destruída aparece depois totalmente pacífica.

O efeito visual é impressionante, pois nada difere das imagens reais que vemos na televisão.

Foi a razão para mostrarmos o que ela sente. Porque ela viu a guerra e compreende que essa experiência continua presente nela. Mesmo que não possamos vê-la e senti-la. Por isso faz o que faz.

Onde foi que estudou cinema?

Foi em Kiev, na Karpenko-Kary, a universidade de cinema, televisão e teatro.

E por onde irá passar o seu futuro imediato?

Vou continuar a filmar. Estou a recolher material documental, na Ucrânia, e a filmar o que se passa à nossa volta. De que forma a guerra afecta as pessoas, os lugares, todo o nosso país. Acho que irei fazer um documentário colectivo com os meus colegas a partir desse material. No que diz respeito a ficção, tenho algumas ideias. Antes da invasão tinha algumas ideias, mas depois da invasão. Mas vamos ver. É um pouco complicado agora encontrar e organizar cenários de ficção. Terei de encontrar algumas soluções alternativas.

E vê alguma alternativa ao que temos hoje?

O que quer dizer? Sobre os nossos filmes ou sobre a guerra?

Sobre a situação política.

Vamos lá ver, a Rússia tem de ser derrotada. Têm de sair do nosso território, terão de pagar contribuições e reparações. Este regime autoritário e a propaganda que disseminam e executam a agressão têm de ser julgados internacionalmente. O sucessor do império russo e da União Soviética deverá ser desconstruído de alguma forma. Deverá admitir todos os crimes contra a humanidade cometidos pelo Estado e seus sucessores: incluindo escravidão, colonização, opressão, opressão contra os seus próprios cidadãos, crimes de guerra, agressões de guerra na 2ª Guerra Mundial e depois. Devem incluir tudo isso na sua cultura e identidade. Só dessa forma poderemos ter um mundo e uma existência pacífica. De outra forma, será apenas uma escalada.

Porque estão também preparados para isso.

Claro. Estamos convencidos que não irão parar. Se não existisse prevenção iriam atacar com material atómico e atacariam a Europa.

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