Sexta-feira, Dezembro 6, 2024
InícioFestivaisVer filmes na casa (e na fábrica) dos Irmãos Lumière

Ver filmes na casa (e na fábrica) dos Irmãos Lumière

Até dia 23 a casa do cinema é a dos Lumière, em Lyon. Onde Tim Burton será homenageado, bem como Nicole Garcia, James Gray, Lee Chang-dong ou Alejandro González Iñarritu.

É já como a 14ª edição do Festival de Lyon em andamento que esboçamos umas linhas que permitam abarcar as principais áreas de interesse das diferentes secções do festival dedicado ao cinema de património. Ainda esta lá a morada da família Lumière, ou seja, na Villa, hoje museu repleto de relíquias da história (e pre-história do cinema), bem com uma sala de cinema. A outra sala é no Hangar, onde no final do século XIX a fábrica da família Lumière fabricava placas e papel fotográfico e, claro, onde foi rodado aquele que é considerado o primeiro filme de Louis Lumière, La sortie de l’usine Lumière à Lyon (1895).

Godard recordado em Lyon

A cerimónia de abertura começou com as cerca de 5 mil pessoas que enchiam o Hall Tony Garnier (alegou-se que seria a maior sala de cinema do mundo!) a prestarem homenagem a Jean-Luc Godard, acompanhado de excertos de Le Mépris/O Desprezo, numa antecipação da projecção do documentário Godard, seul le Cinéma, de Cyrill Leuthy, recentemente aqui comentado.

Uma selfie de milhares de espectadores em Lyon

Em todo o caso, o sentimento era de alegria, por essa imensa reunião ocorrer já sem barreiras sanitárias. “Que imensa alegria podermos começar juntos o festival. Este desejo de cinema que transportamos connosco há tanto tempo”, declarou Irène Jacob, presidente do Instituto Lumière (substituindo Bertrand Tavernier depois da sua morte em 2021), ao lado do director Thierry Frémaux. “Os filmes do passado ligam-se com grande força aos do presente. Este é, por isso, um festival durável com filme não dispensáveis e de autores defendidos e célebres”, sublinharam antes do imenso desfile de personalidades que encheram o palco. Como os convidados principais, o realizador franco-greco Costa Gavras, a cineasta e actriz francesa Nicole Garcia, com uma mostra da sua obra, ou o coreano Lee Chang-dong, entre algumas dezenas de outras personalidades que antecederam a exibição da comédia popular L’Innocent, de Louis Garrel, com o próprio a fazer o seu próprio oposto, desvendada no passado Festival de Cannes. Ou ainda o americano James Gray que trouxe a Lyon o seu mais recente filme Armageddon Time, inspirado em eventos biográficos e ritos de passagem à idade adulta no bairro de Queens em Nova Iorque.

O espectáculo da cerimónia de abertura

Como já fora referido, Tim Burton é o cabeça de cartaz e destinatário do Prémio Lumière, sucedendo a Jane Campion, o ano passado. Por destes dias, vagueiam os demónios e as maravilhas do cinema intrigante e estilizado deste cineasta visionário, com a mostra de grande parte do seu cinema, bem como uma master class agendada para o dia 21. O mínimo que se pode dizer de Tim Burton é que é um exímio contador de histórias servidas por um forte impacto estético, entre o gótico e o barroco, o horror e a comédia, em filmes notáveis como Eduardo Mãos de Tesoura (1990), Batman (1989), Ed Wood (2004), Big Fish (2005), ou de argumento, como O Estranho Mundo de Jack (1993), alvo de exibição em Lyon. Mas há mais, muito mais.

Mai Zetterling: História permanente das mulheres cineastas

Além dos pesas pesados Louis Malle e Sidney Lumet, de que falamos numa peça à parte, a sueca Mai Zetterling dá continuidade à história permanente das mulheres cineastas, numa secção que já permitiu redescobrir obras da russa Larissa Chepitko, da italiana Lina Wertmuller, a americana Ida Lupino, ou a japonesa Kinuyo Tanaka. É graças à colaboração com o Swedish Film Institut que poderemos ver as cópias restauradas dos quatro filmes apresentados – Amor em Tons Eróticos (1964), Jogos Nocturnos (1966), As Raparigas (1968) e Amorosa (1986). De referir que Mai Zetterling deu nas vistas no seu trabalho com Ingmar Bergman (em particular Tortura, de 1944, com guião do mestre sueco), deixando uma marca natural no seu trabalho como realizadora, já depois de impor a sua carreira de actriz em Inglaterra. Contudo, será atrás das câmaras que a sua voz sobre a condição feminina melhor se fixou. Como no provocador Flickorna/As Raparigas (1968), a partir da adaptação da peça Lysistrata, de Aristófanes, sobre o ponto de vista de um trio de actrizes, interpretadas por Bibi Andersson, Harriet Andersson e Gunnel Lindblom. Ou ainda Jogos de Noite, um curioso exercício da memória com Ingrid Thulin, que também pudemos apreciar em Lyon, os dois que pudemos ver em Lyon.

Tivemos ainda alguma atenção à obra de André De Toth, ou melhor Tóth Endre, antes de se mudar da Hungria para os Estados Unidos, mas já depois de ter aprendido com Alexander Korda, o compatriota que dominava o cinema em Inglaterra. O festival recuperou precisamente os cinco filmes que realiza num só ano, em 1939, atravessando diversos estilos. No entanto, De Toth não era estranho a Lyon, pois veio por algumas vezes ao Instituto Lumière a convite de Tavernier e Frémaux. Na nossa curta estada, vimos Deux Fille dans la Rue e Six Semaines de bonheur (títulos na tradução francesa).

Dans la Nuit, de Charles Vanel (1930)

Para quem fica até dia 24 terá ainda a possibilidade de assistir a alguns eventos marcantes, como a projecção de Dans la Nuit, um filme de Charles Vanel, de 1930, na verdade, aquele que é considerada como o último filme mudo francês, e cuja obra de restauro do Instituto Lumière tem viajado por diversos festivais, como o Imagine Ritrovata, em Bolonha. Poderá agora ser visto na sua terra, em Lyon, com acompanhamento ao vivo pelo órgão de Adam Bernadac. Um outro evento musical irá evocar o ambiente do cinema de Clint Eastwood com acompanhamento do quinteto de jazz do seu filho Kyle Eastwood e a Orquestra Nacional de Lyon, interpretando temas de filme de Clint Eastwood, assinados por Ennio Morricone, Kyle Eastwood, John Williams, entre outros. Por fim, um dos grandes eventos deste ano: o filme concerto do centenário de Nosferatu, de Wilhem Murnau, dirigido por Timothy Brock, na Ópera de Lyon.

100 anos de ‘Nosferatu’, de F.W. Murnau
RELATED ARTICLES

Mais populares