Segunda-feira, Outubro 7, 2024
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Green Border – Zona de Exclusão: noite e nevoeiro às portas da UE

Num robusto registo de ficção documental, a polaca Agnieszka Holland aproxima-nos da experiência radical e diversa de refugiados em busca de asilo nas duas fronteiras do seu país: Bielorríssia e a Ucrânia.

Felizmente, temos o cinema de Agnieszka Holland. Que nos confronta com a questão do ‘eles’ e o ‘nós’, ou seja, dos refugiados e dos que concedem abrigo. Aos 75 anos, a corajosa cineasta abandona a zona de conforto para elevar, sem tabus, o olhar do cinema num documento guerilla, ainda que complementado por alguma liberdade narrativa. Ela que soube confrontar-nos com o desconforto diante dos limites do inaceitável, como em Europa, Europa (1990), uma história verídica, onde um jovem judeu na Alemanha nazi se junta à juventude hitleriana como única forma de escapar ao seu destino. É, de novo, o inaceitável que nos coloca diante dos paradoxos da nossa humanidade.

Neste registo sombrio visitado pelo desespero percebemos igualmente uma relação próxima do desencontro de identidade a aflorar o avassalador Green Border – Zona de Exclusão, esta semana a chegar às salas e a enquadrar a expressão ‘crise humanitária’ numa curiosa ‘zona de interesse’. No caso, colocando o dedo na ferida que divide o ‘nós’ e os ‘eles’, aqueles do lado de cá da desejada União Europeia, estando do outro os que se refugiam da guerra, dos totalitarismos, embora não completamente das formas alternativas de segregação e racismo. Quer cheguem a entrar ou não. O filme segue um estilo de mosaico em que se cruzam momentos diversos dos destinos de refugiados, mas também dos guardas de fronteira, de alguns ativistas e das suas famílias. Só que esse aparente registo de viagem logo tropeça num confronto geopolítico, inter-regional e social que por certo envergonhará uma Polónia populista a ceder ao discurso divisor do apelo das massas, mas que nos demonstra igualmente as fragilidades europeias, ao mesmo tempo que oferece outras pistas para abordar o lugar onde nos posicionamos.

Zona de Exclusão foi apresentado a concurso no passado festival de Veneza, onde conquistou o Prémio Especial do Júri, pouco antes de ser revelado aos polacos e receber de volta o ódio expresso da forma mais violenta por parte do seu governo de extrema-direita. Reação talvez não totalmente deslocada de um pensamento nas eleições legislativas, a realizar apenas daí a semanas. Apesar de tudo com um resultado menos catastrófico que já se sabe. 

Ainda durante o genérico, um plano aéreo de uma floresta verde vai cedendo a tons de cinzento, no movimento de chegada de uma família de refugiados sírios (com familiares que os esperam na Suécia) a Minsk, aos quais se junta uma afegã tradutora de inglês com intenção de asilo na Polónia. Contudo, uma vez na Bielorrússia, este grupo passará a ser uma arma de arremesso entre a fronteira da Bielorrússia e da Polónia – na tal zona de exclusão ou a terra de ninguém -, onde cada uma das nações parece lavar as suas mãos, empurrando os refugiados entre cenas de atrocidades que nos abstemos de relatar. 

Abjeção às portas da União Europeia

De referir que a cineasta e a sua equipa de dois argumentistas (Gabriela Lazarkiewicz-Sieczko e Maciej Pisuk) partiram para o terreno em setembro de 2021, numa altura em que o presidente bielorrusso Alexander Lukashenko foi ‘solidário’ ao convidar refugiados a usar o seu país como rota de acesso à Europa e a um suposto asilo que depressa se transformou numa ‘crise na fronteira’. Por aqui se desenha parte de um guião feito de centenas de horas de análise de documentos e entrevistas com refugiados, residentes próximos da fronteira, bem como depoimentos anónimos de guardas fronteiriços. “Tudo o que acontece no filme é documentado; nada é inventado”, refere a cineasta nas notas de produção, mesmo que tenha tomado alguma liberdade no desenho das personagens, para as afastar do mero documento.Devido a entraves de produção, o filme acabaria por ser rodado apenas entre abril e maio, já deste ano. E filmado a preto e branco, como forma de sublinhar uma ligação “metafórica com o passado, próximo da 2ª Guerra Mundial”.

Ao ver estas imagens em diferentes tons de cinzento e negro, algumas delas de um realismo cruel, é difícil não evocar a memória reprimida de Noite e Nevoeiro, de Resnais (1955) e como uma alegoria da indignação pode assumir formas diferentes. Talvez fosse o arame farpado, talvez fossem os guardas indiferentes ao horror, talvez a noite e o nevoeiro que parece toldar a visão de muitos e olhar para o lado. Mas a esse respeito falará um Jonathan Glazer e o seu tremendo Zona de Interesse. Mas que ilustra bem a radiografia (assim mesmo, sem cor) do mapa das idiossincrasias por que passam os refugiados, mas que afetam também aqueles que os acolhem. E como não há perguntas inocentes a formular, deixa-se a interrogação num epílogo final em estilo rap, em que polacos e refugiados africanos cantam o tema morrer mil vezes: “já perdi tanta gente, sinto que estou a morrer mil vezes”.

Green Border - Zona de Exclusão
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