Na abertura do Festival de San Sebastian refletiu-se sobre o poder da cultura em tempos difíceis, com diversas referências ao conflito na Palestina e à guerra na Ucrânia. A cerimónia acabou por ser marcada pela emoção e mensagens de solidariedade, reforçando o a dimensão do festival de cinema enquanto espaço de resistência, esperança e transformação social.
Como seria de esperar, o destaque principal foi para a homenagem à produtora Esther García, recebendo o primeiro Prémio Donostia (o outro será entregue à atriz Jennifer Lawrence, no próximo dia 26), considerado o reconhecimento máximo do festival. Esther Garcia agradeceu a distinção, “sobretudo por ser sobre uma matéria tão pouco reconhecida como a produção”. A verdade é que, desde 1986, García tem desempenhado um papel fundamental nos projetos da produtora El Deseo, do cineasta Pedro Almodóvar, criando uma verdadeira “companhia familiar” onde, como afirmou Almodóvar, “a mãe é a Esther”. Participando em todos os filmes da produtora, ela ajudou a criar um universo cinematográfico que rompeu preconceitos, cruzou fronteiras culturais e inspirou especialmente muitas mulheres na indústria do cinema.
Almodóvar destacou ainda que “os meus filmes são tão livres porque estão protegidos pela presença da Esther”, e reconheceu que sua carreira não teria sido tão produtiva sem o apoio constante da produtora. Para o cineasta, García representa uma figura de autoridade que impõe respeito, e deixou uma mensagem de esperança ao terminar seu discurso com um entusiástico “Viva Palestina livre!”.
“Descobri o mar em San Sebastian”
Na mesma cerimónia, foi lembrada a atriz Marisa Paredes, a figura que ilustra o cartaz do festival, falecida em dezembro passado. Paredes foi uma figura emblemática do festival e uma das suas personagens mais queridas, tendo declarado que “descobriu o mar em San Sebastián”. A sua trajetória reflete a importância do festival na manutenção e celebração do legado cultural e artístico de figuras que marcaram a história do cinema.

Outro momento marcante da cerimónia foi a presença de Juliette Binoche, que aproveitou a ocasião para fazer a sua estreia como realizadora com In-I In Motion, uma obra de não-ficção exibida fora de competição. Binoche mostrou-se solidária com as vítimas de conflitos, sublinhando o papel do cinema como ferramenta de mudança social. Numa mensagem contundente, apelou a ações de transformação: “precisamos de mudanças e somos capazes de as fazer. Agora!”
Durante o evento, foi também entregue o Grande Prémio FIPRESCI ao filme Ainda Estou Aqui, o filme fenómeno do brasileiro Walter Salles, vencedor do Óscar do Melhor Filme Internacional. Salles agradeceu o reconhecimento da crítica internacional, destacando a importância de apoiar obras que defendem a memória coletiva e a resistência cultural, especialmente em um momento em que os direitos humanos estão sob ataque. “Este reconhecimento, que vem do país de Buñuel e da inolvidável Marisa Paredes, torna tudo ainda mais especial”, afirmou.

O presidente do Júri, J.A. Bayona – acompanhado pela realizadora portuguesa Laura Carreira, a cineasta norte-americana Gia Coppola, a atriz chinesa Zhou Dongyu, a atriz e cantora argentina Lali Espósito, o ator britânico Mark Strong e a produtora e atriz francesa Anne-Dominique Toussaint – reforçou a importância do cinema como força de transformação, particularmente em momentos de crise e divisão social. Bayona destacou a necessidade de o cinema ser uma ferramenta de união, esperança e resistência. A noite de abertura foi encerrada com a exibição de 27 noites, do cineasta uruguaio Daniel Hendler, dando início à seleção competitiva numa produção típica da Netflix.


