De certa forma, existe até no filme de Almodóvar algo que se toca com o de Jarmusch (Paterson). A ideia da parte que forma um todo. Neste caso, a parte ausente. A filha de Julieta, desaparecida há muito. Uma longa ausência que motiva a separação da personagem de Julieta em duas atrizes que cumprem tempos diferentes e que procuram a filha: Adriana Ugarte, a mais nova, Emma Suárez, a atual. Assim se cumpre um novo desígnio no feminino, de acordo com a traça das personagens dos contos da canadiana Alice Munro.
No meio de um período de mudança, após prolongado trauma, Julieta é acordada para uma realidade inesperada: num encontro casual com uma amiga da filha, esta relata-lhe que esteve com ela. Ou seja, Antía estava viva. Aparentemente, colocava um tremendo alívio no trauma com vários anos. O que despoleta nela uma necessidade de passar para o papel, tudo o que lhe ia na alma e as razões que a poderão ter afastado, bem como o destino e o remorso.
O problema é que Julieta não bebe da mesma veia de clássicos como Tudo Sobre a Minha Mãe, Voltar ou Fala com Ela. Mesmo com o enlevo narrativo de Munro e uma muito capaz prestação Suárez e Ugarte, onde se inclui o restante elenco, o novelo acaba por se tornar num torvelinho, pois adensa-se para um desnecessário acentuado barroco e decorativo, bem familiar a Almodóvar, que acaba por se sobrepor à história.
Percebe-se também que a solução de duplicar a interpretação com duas atrizes não atenua e só complica os problemas deste profundo melodrama familiar. Ficamos com a sensação que parte da alma que nos cativou nos dramas citados ficou diluída numa carregada produção e set design que se sobrepõe a um guião assente numa boa premissa mas não suficientemente desenvolvido para cativar. É pena, pois todos desejávamos o melhor de Almodóvar.