Sábado, Dezembro 7, 2024
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Silencio: Deus já não mora aqui!

 

Classificação: ***

Gira nas salas o muito aguardado filme de Scorsese, o tal projeto de décadas sobre os padres jesuítas portugueses em bolandas pelo Japão à procura de um sacerdote de fé perdida. Naturalmente, com todo o peso majestático do nome de Scorsese, a exigência épica das longas 2horas e quarenta de duração que nos faz viver esse tempo de semear a religião em terra de shoguns. Mas este será, afinal de contas, um encontro com a pós-fé. A fé do apóstata, que aceitou pisar a imagem sagrada, e saber olhar em frente. E descobrir algo mais.

Trilha-se em Silêncio a viagem à história do cristianismo bandeirante em terras nipónicas, prometendo a felicidade com a vontade de plantar a fé numa terra pantanosa pisada pelo feudalismo feroz e descrita pela pena do escritor japonês Shusaku Endô, em meados dos anos 60, pertencente à minoria cristã nipónica (menos de 1%) e cuja obra dedicou a essa causa.

Pena é que o cast desacertado e carente de carisma não nos eleve de imediato à dimensão a que Marty nos habituou com os seus homens de rua. Vejamos, o ar de puto de Andrew Garfield dificilmente cola à persona do homem de batina que atravessou o mundo à procura do seu mentor. Até porque ainda nos tolhe a vista e a memória do menino aranha em estilo super-herói em O Herói de Hacksaw Ridge. Mesmo a habitual presença descomunal de Adam Driver fique aqui falha do necessário acerto à personagem. Restar-nos-á um final com o desaparecido Padre Ferreira, na potência gutural de Liam Neeson, a unir as pontas dispersas com as revelações que traçam todo um pensamento universal.

Nesta deriva com muito de rota expiatória, percebemos a comparação que tem sido feita a Apocalypse Now, especialmente com alguns requintes de malvadez reservados aos kirishitans. Havia de tudo, como as torturas com água a ferver, o sangrar devagarinho de pernas para baixo, com o ligeiro corte debaixo da orelha para não provocar um excesso de sangue no cérebro, ou até um desafio da cruz ao sabor das ondas. Quando isso sucedia, a alternativa era mesmo espezinhar um ícone sagrado, para daí difundir a apostasia em vez das ofertas do Cristianismo.

Desde Os Cavaleiros de Asfalto sentimos o odor da fé e sua a interrogação a abanar os corações e a religião e moral dos gangsters locais de Marty. Ou ainda a dúvida como método de Judas de A Última Tentação de Cristo, a rasar a própria blasfémia, sem esquecer a variante Kundun do Messias anunciado, aqui na pele de Dalai Lama, como uma mais vasta ideia da procura da espiritualidade, leia-se santidade. Assim se avalia o poder da fé e se escuta o silencio de Deus num filme destituído de música para deixar espaço a um maior rigor histórico neste Japão do século XVII. Teremos de esperar pela oferta do final que nos centra o espírito e nos devolve algo que supera essa devoção. É a tal pós-fé.

 

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