Terça-feira, Dezembro 10, 2024
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Ghost in the Shell – Agente do Futuro – É o regresso ao futuro, mas sem o Puppetmaster

Há muito anunciado, há muito diabolizado, sempre idolatrado. Mas não é que, afinal de contas, Ghost in The Shell – Agente do Futuro acaba por cumprir a missão arriscada de adaptar de forma convincente o objeto de culto distópico criado por Mamoru Oshii. Mesmo que alguns naysayers venham a terreiro cantar loas à intocável animação. Em boa verdade, não podemos dizer que a adaptação ao original foi tolhida. Ok, mesmo sem reinventar a roda, cumpre com um remake que não envergonha o original.

Se calhar poucos vaticinariam que o pouco experiente Rupert Sanders, de quem apenas se conhece Branca de Neve e o Caçador, vingasse neste reencontro com o celebrizado e muito desejado objeto de culto do sensei Mamoru Oshii. Bem vistas as coisas, o mais previsível era mesmo que Sanders se espalhasse ao comprido e batesse com os burrinhos na água ao embarcar num previsível shooter psicadélico new age, a tirar partido de todos os ângulos sensuais de miss Scarlett e preparar o tapete para uma franchise para cinema a antecipar a versão gaming num espetáculo visual alavancado em diversos product placement. Ok, há aqui e ali algum excesso, mas nada que ofenda aqueles que fruem de um suculento espetáculo em formato IMAX com óculos 3D.

Por outro lado, este é até um projeto ideal que vem servido de bandeja à super-Scarlett Johansson. Pode assim gerar esta criatura orgânica que percorre de forma apoteótica a impressionante galeria de personagens (ver peça Miss Scarlett) que aliam uma inegável expressividade sexual a qualidades frequentemente para além da capacidade do comum dos mortais. Assi aconteceu quando se fez passar por humana em Debaixo da Pele, de Jonathan Glazer, ou deu vida a uma voz sem corpo, em Uma História de Amor, assumiu o lado da super-heroína Viúva Negra, na saga Vingadores, ou se assumiu como dama de cérebro letal, em Lucy, ao serviço de Luc Besson (de quem esperamos uma competente adaptação de Valerian e a Cidade dos Mil Planetas). Em Ghost é também o cérebro que lhe vale a memória, já que o corpo é apenas o upgrade para o futuro. Por isso mesmo, bem-vinda Scarlett.

É claro que Ghost in The Shell – Agente do Futuro passa grande parte do tempo a tentar honrar e replicar a animação de 1995, não se esquecendo, por isso mesmo, de evocar a dimensão humana de Mokoto Kusanagi. Espera, mas ela não aparece… Calma, não vamos aos spoilers. A Major está lá, e pelos diversos excertos de vídeo que recentemente vieram a lume, já muitos presumíveis haters tiveram tempo de digerir e de se adaptar à presença de Scarlett Johansson a incorporar esse cruzamento de cérebro humano com upgrades cyborg. Olha, é verdade, as personagens principais do filme de Oshii também não eram orientais! Sim, Ghost in The Shell – Agente do Futuro não reinventa a roda, mas também não choca os fãs empedernidos da animação. E para quem teve oportunidade de rever a matéria dada percebe como mesmo passadas duas décadas esse original mantém-se vibrante. Tal como Blade Runner: Perigo Iminente, que o precedeu em mais de uma década, mas também Matrix, o tal filme que os manos Wachowski fizeram depois de desistir da adaptação de Ghost in the Shell.

Percebem-se as inevitáveis alterações ao guião original de Masamine Shirow, tricotadas pela adaptação de Jamie Moss e William Wheller, sugerindo novas personagens e criando um passado para a memória da Major. Mesmo que não estivéssemos à espera de ficar sem… Puppetmaster, o tal vilão cibernético escondido no Projecto 2501, omnipresente em todo o filme. Enfim, compromissos da nova narrativa. Em seu lugar, temos Kuze, que nos surgirá com a figura distorcida de Michael Pitt.

Tal como em 1995, são frequentes os banhos de delírio visual desta urbe cyberpunk, onde o agora Projecto 2571 recebeu a sua inserção cerebral. De resto, essa evolução gradual entre humano e máquina começa a esbater-se nesta comunidade, onde começa a ser habitual os transeuntes serem interpelados por figurões que sugerem: “precisas de um upgrade?”. Essa é a nova droga num mundo definitivamente conquistado pelo seu lado mais virtual. A Major é um dos melhores exemplares desta combinação, possuidora de uma mente que responde à melhor performance física (uma variante mais punk de Lucy), graças à dedicação da maternal Dra. Ouelet (Juliette Binoche num bom momento) que lhe permitiu a recordação dos pais e do trauma a bordo de um barco de refugiados atacado por terroristas. Agora Major, ou Mira, vigia a metrópole com o seu sidekick Batou (Pilou Asbaek) a bordo de um carro parecido com o Delorean de Regresso ao Futuro. Sim, temos ainda a presença imperturbável de Takeshi Kitano, a assumir o comando das operações e a ter alguns “momentos Kitano”. E mais não dizemos.

Neste mundo que trocou o botox pelos transplantes sente-se também aquele glitch, ou seja, aquela centelha intermitente de vida. Um caso sério para a personagem de Michael Pitt, uma versão anterior destes protótipos, que transmite a carência própria ao mito de Frankenstein, num diálogo em que inevitavelmente sentimos percorrerem em Johansson algumas das suas últimas personagens. Ela, a quem uma humana, a certa altura lhe pergunta: “o que és tu?!” É o espanto mútuo entre o homem e a máquina, talvez na melhor configuração desde Blade Runner.

Quem vier à sala com a animação na memória ou à espera da surpresa saiba que poderá desfrutar de um quadro futurista, com ação qb para abrir a pestana, mas sem se deixar consumir por ela. É talvez neste sábio equilíbrio que a alma – ou o Ghost – deste filme se encerra numa concha que poderá muito bem despertar para a franchise. Se bem que não venha chapada pela piscadela de olho do costume. Ainda bem.

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