“O CineEco contribuiu para uma melhor educação ambiental e cinematográfica a várias gerações de públicos”
Hoje em dia, a expressão alterações climáticas, escassez de recursos, ou os sucessivos efeitos nocivos da Globalização, entraram no léxico das preocupações do mundo, talvez com as exceções do gabinete de Donald Trump e poucos mais. Lá para os lados de Seia, na encosta da Serra da Estrela, estes temas são levados a sério há mais de duas décadas, pelo menos desde 1995 quando a teimosia de Mário Branquinho com a cumplicidade da edilidade local decidiram inaugurar o CineEco, um festival de cinema com preocupações ambientais.
Durante os próximos dias, de 14 a 21 de outubro, a Casa da Cultura de Seia serve de referência ao que de melhor se faz em cinema ambiental e até testemunha uma espécie de embate virtual entre Al Gore e Trump, com a exibição em estreia nacional de Uma Verdade (Mais) Inconveniente, de Bonnie Cohen e Jon Shenk, reeditando, afinal de contas, a luta que o ex-futuro Presidente dos EUA travou no mesmo plano com a administração Bush, agora numa fase pós Acordo de Paris. Mas há mais pontos de interesse, como A Idade das Consequências, de Jared P. Scott, Rio Azul: Pode a Moda Salvar o Planeta?, de David McIlvride, Roger Williams ou Ondas Brancas, de Inka Reichert, todos em competição, bem como a expressão portuguesa dada por Ubi Sunt, de Salomé Lamas, Altas Cidades de Ossadas, de João Salavisa, ou António de Hugo Dinis Neves. Nós vamos tentar abarcar o mais possível das sugestões que nos dá Mário Branquinho.
Como descreveria o percurso do CineEco, um festival com mais de duas dezenas de anos?
Falar do percurso do CineEco ao longo das últimas duas décadas é falar da evolução do Cinema Ambiental ao longo deste tempo. E no princípio, em 1995 os filmes tinham uma abordagem muito minimalista, com abordagens muito científicas e moralistas. Falar de cinema de ambiente era falar “das árvores e passarinhos”. Contudo, ao longo destes anos, foi-se alargando o leque de assuntos e abordagens, com melhorias significativas dos filmes enquanto objetos artísticos, mas igualmente as temáticas. Porque hoje e nos últimos anos, falar de ambiente é falar de quase tudo o que nos rodeia. E se antes, lançámos o festival para valorizarmos os aspetos paisagísticos, e nós tínhamos a reserva biogenética da serra da Estrela, hoje, procuramos cada vez mais criar espaço e ambiente para o debate, reflexão e mudança de comportamentos.
Há até quem o refira mesmo o CineEco como um ‘case study’ nesta matéria. Como o definiria ?
O CineEco é uma bolsa de resistência em Portugal, ao fim de 22 anos, é um dos mais antigos festivais nacionais e internacionais. Graças ao município de Seia, continua a trilhar caminhos de persistência para oferecer ao público bons filmes de temática ambiental. No duplo propósito de ir ao encontro do público de cinema, mas também do público preocupado com as questões ambientais. No fundo, é também um festival de afetos, que junta bom cinema e bom ambiente, numa cidade atrativa, na encosta da Serra da Estrela.
Podemos dizer que cada vez mais um festival como o CineEco adquire sentido que vai para além de uma simples mostra de filmes e faz mais parte de uma consciência comum?
O CineEco cumpre um serviço público em matéria cinematográfica e ambiental. Porque cria públicos de cinema e cultiva a educação ambiental, junto do grande público e sobretudo das escolas. E já serviu várias gerações ao longo deste tempo. Podemos é dizer que lhe falta o reconhecimento das entidades públicas nacionais, já que tem o tem recebido de entidades internacionais. O facto de se realizar fora do eixo Porto – Lisboa e a snobeira aí reinante -, não lhe tem permitido ter esse reconhecimento e visibilidade que lhe tem sobrado na senda internacional.
Quais são os pontos mais fortes que gostaria de apresentar para quem desejar visitar Seia e o CineEco?
Seia é uma cidade atrativa, com vários locais de interesse turístico que merecem uma visita. Desde logo os Museus do Pão, do Brinquedo e da Eletricidade. O Centro de Interpretação da Serra da Estrela – CISE, assim como vário património histórico, como a capela milenar de São Pedro e zona envolvente.
Por isso, o que eu recomendo é que visitem Seia em qualquer altura do ano, e não apenas na altura da neve. Mas se visitarem nesta altura, podem aproveitar o CineEco, que durante uma semana tem filmes a passar de manhã à noite, nos dois auditórios da Casa da Cultura, além de várias atividades paralelas. E tem outra coisa muito importante, um ambiente acolhedor, simpático e de afetos em torno dos convidados do festival. É gratificante juntar-se a realizadores de todo o mundo, diretores de festivais de cinema membros do júri, atores, jornalistas e outros convidados, seja durante as sessões, sejam num qualquer bar da cidade, ou na famosa festa da Casa do Castelo.
De que forma o património ecológico de Seia tem saído das fronteiras nacionais e adquirido uma presença internacional? E em particular neste ano, quais os destaques internacionais que salientaria?
O CineEco é um dos vários instrumentos da área ambiental do município de Seia, a que se junta o Centro de Interpretação da Serra da Estrela, a rede de Aldeias de Montanha e outros.
Isso faz com que Seia reforce a sua performance exterior, enquanto concelho dinâmico que aposta na cultura e no ambiente, como fatores de desenvolvimento. Tudo isto contribui para a notoriedade de Seia enquanto marca de um território, associado a um evento ecológico.
Por isso também temos mais de 600 filmes anualmente a concurso de 30 ou 40 países. E o resultado é a excelente programação conseguida. Este ano destacamos a estreia absoluta em Portugal do filme do Al Gore. Uma Verdade (Mais) Inconveniente, de Bonni Cohen e Jon Shenk, com Al Gore, que passa a 18 de Outubro. Um filme dá sequência ao documentário de 2006 (Uma Verdade Inconveniente) no qual o ex-vice-presidente dos Estados Unidos faz uma análise sobre a crise climática mundial. Após a decisão de Donald Trump em retirar os Estados Unidos do Acordo de Paris, Al Gore, ex-vice-presidente do país e protagonista do documentário pronunciou-se nas suas redes sociais criticando a decisão. O filme mostra a negociação feita há um ano e meio envolvendo 200 países, com o objetivo de impedir o avanço do aquecimento global através da redução das emissões de gases poluentes na atmosfera.
Em competição destaco A Idade das Consequências, de Jared P. Scott, que investiga como a mudança climática afeta a escassez de recursos, a migração e o conflito através da lente da segurança nacional dos EUA e da estabilidade global. Rio Azul: Pode a Moda Salvar o Planeta?, de David McIlvride, Roger Williams, que mostra a forma como a indústria da moda, dos tecidos e dos jeans se tornaram nas grandes poluidoras das águas e do ambiente. Acompanhando as notícias recentes sobre a poluição dos Oceanos, Ondas Brancas, de Inka Reichert, que retrata o combate e a reação dos surfistas de vários pontos do globo, contra a inadvertida contaminação dos oceanos, assim como Perseguindo Corais, de Jeff Orlowski que através de uma viagem pelo mundo mostra como os recifes estão a desaparecer a uma taxa sem precedentes.
O cinema nacional tem tido uma presença regular nas seleções competitivas. Que filmes e cineastas destacaria este ano?
O CineEco tem uma competição da Lusofonia, onde o cinema brasileiro é maioritário. No entanto este ano, do cinema nacional podemos destacar as curtas: Um Campo de Aviação, de Joana Pimenta; Ubi Sunt, de Salomé Lamas e Altas Cidades das Ossadas, de João Salaviza; ou as longas Moon Europa, de Nuno Escudeiro; António de Hugo Dinis Neves, ou Deriva Litoral, de Sofia Barata.
Qual é para si o maior feito que o CineEco alcançou ao longo deste seu percurso? E no seu entender, o que está ainda por fazer?
De uma maneira geral, o maior feito destas duas décadas de CineEco foi ter contribuído para uma melhor educação ambiental e cinematográfica a várias gerações de públicos. De uma maneira mais visível, foi ter impulsionado a criação em Seia de um Centro de Interpretação da Serra da Estrela, que ajudou imenso a reforçar a notoriedade de Seia enquanto território de montanha, de vocação turística e cidade atrativa.
O que falta dizer a quem ainda não veio a Seia e o que poderá encontrar nesta semana de cinema ecológico?
O que se pode dizer é que aproveitem, venham a Seia, que durante uma semana é a capital do cinema ambiental, para ver bons filmes, entrar em discussões saudáveis, entrar nas festas, provar o melhor da gastronomia local e visitar locais mágicos desta zona do país.
Tudo em: www.cineeco.pt
Mário Branquinho
Diretor e fundador do CineEco