Segunda-feira, Outubro 7, 2024
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Roda Gigante: Woody Allen em roda-livre e piloto automático

Sim, é um Woody Allen em roda-livre e piloto-automático que nos é servido em Wonder Wheel. Percebe-se uma ânsia de filmar, à média de um filme por ano, mas com uma escrita rápida (automática?) que já viu melhores resultados e que parece ir perdendo lastro daquele cinema que mais o identificou. Ainda que mantendo acesa a chama de uma nostalgia que lhe é familiar. Neste caso, recuperando um perfume teatral próximo de Blue Jasmin, o filme que deu o Óscar a Cate Blanchet em 2014, embora de olhos mais postos no estilo da peça Um Elétrico Chamado Desejo, de Tennessee Williams.

Valha-nos Kate Winslet, como sempre irrepreensível, numa credível aproximação à própria Blanche Dubois, a viver uma relação desgastada com Jim Belushi, embora numa versão mais distante de Marlon Brando. E Vittorio Storaro a usar e abusar de uma fotografia demasiado contrastada, como que a dar-nos a perspetiva da cena teatral impregnada das suas cores saturadas e a quebrar frequentemente essa janela do cinema. Mesmo que esse efeito possa soar para muitos a descontrolo cromático, assenta bem nessa ponte entre o palco e o cinema tão comum na obra de Woody Allen.

Regressamos aos anos 50, com a aborrecida Kate Winslet a dar corpo a Ginny, a empregada de balcão cujos sonhos de estrela de teatro acabaram por ser abafados pela vida real. Vive o quotidiano de angústia desencantada com o marido Humpty (Jim Belushi) e o filho pirómano. Até que uma luz de esperança se acende pela atenção do bem-parecido, e bem falante, nadador-salvador com vocação de poeta chamado Mickey (Justin Timberlake).

Só que o stress acaba por acelerar ainda mais com a chegada da filha do marido Carolina (Juno Temple), fugindo o marido mafioso. E com uma inevitável aproximação mútua da jovem a Mickey acabará por gerar um inesperado conflito familiar sob a forma de um óbvio triângulo amoroso, com as esperadas nuances da mulher madura, mas experiente, em conflito com a jovem atraente.

Winslet é mesmo o melhor do filme. O desconsolo de quem corre contra a vida até lhe fica bem não fosse a tal colagem à personagem de Blue Jasmin. O mesmo já não podemos dizer do overacting explosivo de Belushi ou o miscast de Timberlake numa personagem difícil de engolir e que diz coisas sensaboronas como quero escrever peças de teatro sobre a vida. Melhor está Juno Temple como a jovem insegura e carente de um homem que lhe dê segurança.

Apesar do setting vistoso e bem reconstituído da praia de Coney Island, em mais um ótimo trabalho do habitual Santo Loquasto, e do tal estilo deliberadamente teatral – nem é por acaso que o banheiro-poeta intelectual recita poemas e trechos dramatúrgicos -, a ação decorre num brando piloto automático carente de surpresas e espontaneidade, de amadurecimento de ideias, como se Woody escrevesse em piloto automático e em escrita preguiçosa.

Um dia, durante uma entrevista de Cassandra Crossing, em Veneza, há precisamente uma década, o decano confessou-nos que escrever fazia parte do seu dia metódico, tal como andar na passadeira, passear, ler. Mas quando lhe perguntámos qual dos seus filmes tinha mais carinho, disse pronto que nunca vira nenhum dele. Ou seja, Annie Hall, Manhattan ou até mesmo Radio Days. O que é pena, admitimos. Pois assim poderia centrar-se na frescura que sempre brotava da sua escrita e assim talvez ajudá-lo a procurar novas ideias. É que a sua Roda Gigante enfeitada lá está, mas enquanto gira cada vez menos nos surpreende.

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