O italiano Luca Guadagnino escreve em Chama-me Pelo Teu Nome uma nova página sobre a descoberta do primeiro amor, ao mesmo tempo que relativiza a opção sexual e relega a ação para o pleno desfrute. Depois de se ter convertido num dos filmes mais desejados do ano, desde que passou discretamente em Berlim, há quase um ano, chega finalmente às nossas salas para uma fruição mais alargada.
Este até pode ser um filme discreto, mas que nos embala, abraça e arrebata de uma forma inesperada e sensual como nenhum outro o romantismo do início dos coloridos anos 80. O facto de ter um argumento de James Ivory, apenas surpreende por interromper o hiato de quase uma década e meia (o último fora O Divórcio, de 2003), mas não delicadeza de sentimentos do autor de Maurice (1987) ou do realizador de Quarto Com Vista Sobre a Cidade (1985).
Servindo-se de um enorme bom gosto, Guadagnino consegue fundir a sedução com o prazer da arte, sem cair no pedantismo ou transformando-se, pura e simplesmente, num filme chato. Até porque reina aqui o império dos sentidos. Seguramente, não no sentido dado pelo clássico de Nasija Oshima, mas tão somente por um chamamento erótico discreto, que até pode ser dado pelo erotismo do saborear de um alperce maduro ou, até mesmo, pelo ritmo contagiante do Love My Way, dos Psychedelic Furs, a fazer furor nesse verão de 1983. Mas este é também um filme que vive de conversas e também daquilo que um dia poderia ter sido mas não foi. Dos impulsos reprimidos e das mágoas por curar. Luca Guadagnino assume-se aqui como pintor esboçando um quadro naturalista cheio de luz desse norte da Itália.
Tudo gira em redor do dotado e multilinguista Elio (Timothée Chalamet, aqui a dar o golpe de asa que o transformará numa das estrelas do futuro), no que promete ser mais um verão lânguido e lento, entre flirts ocasionais (Esther Garrel, a filha do Philppe, que vimos a semana passada em O Amante de Um Dia), a leitura de um bom livro, o melhoramento de uma partitura de piano, passeios no campo ou um ocasional mergulho no seu local favorito. Uma vez mais, os pais estudiosos de arte (Michael Stulhbarg e Amira Casar) aguardam a chegada de Oliver (Armie Hamer), um estudioso para um período de internato para ajudar a catalogar objetos de arte greco romana. Só que esse ser imponente e demasiado confiante, que se despede das pessoas com distante later, acabará por agitar e provocar o seu mundo.
São sobretudo esses pequenos estados de alma, as coisas pequenas e terrenas, como o peixe ainda vivo que o caseiro apresenta para cozinhar, os pequenos gestos de partir um ovo ao pequeno almoço, ou o alperce que foi alvo de um ímpeto sexual por Elio. Mas também esse convívio próximo com a arte sem tempo do passado, como sucede quando as figuras romanas pescadas da água acabam por testemunhar um estado de beleza intemporal. Elementos que comungam para construir este filme absolutamente sensorial e arrebatador.
Sempre foi difícil ficar imune ao flirt nos filmes de Luca Guadagnino. Foi assim, sobretudo, em Eu Sou o Amor, quando, em 2009, levou Tilda Swinton e fazer uma inesperada e deslumbrante descoberta dos sentidos; menos do que o sofisticado Mergulho Profundo, o seu filme anterior, de 2015, embora se perceba agora que Chama-me Pelo Teu Nome é a maturação do que sobrou e do que faltava nessas férias de sedução em Itália.
É o mesmo Guadagnino que temos no filme solar Chama-me Pelo Teu Nome, aquele que gosta de privilegiar os momentos pacatos, serenos, em que aparentemente nada se passa. Como aquela imagem final, com a música de Sufjan Stevens que nos oferece o rosto dorido de Chalamet e que permanecerá na nossa memória. Porque já não se fazem muitos filmes assim. Declaradamente românticos e aqui até com o tal pingo queer que deseja ser mainstream. É um filme bonito, sobre a beleza, quase esfíngica, das personagens e da herança greco-romana. E daquilo que não se fez. É assim a nostalgia depois do verão.