XXIV Caminhos do Cinema Português – Dia 2
João Vladimiro, André Gil Mata, João Viana, André Guiomar e Silas Tiny recuperam um cinema com coordenadas de futuro
Os Caminhos do Cinema Português indicaram-nos este domingo algumas coordenadas irrecusáveis do bom cinema que se vai fazendo no nosso país. Propostas que vão afirmando jovens cineastas já com um percurso seguro e um futuro para explorar. Assim vamos segundo os caminhos que este festival tem para nos dar. Quem passa ao lado é que não sabe o que perde.
O dia começou com a curta Anteu, de João Vladimiro, numa nova produção da Terratreme que sucede ao documentário em formato de ensaio Lacrau, vencedor do IndieLisboa, em 2013, e à curta de estreia Jardim, de 2008.
O realizador portuense assenta uma vez mais no diálogo entre a ruralidade e os seus próprios mitos para nos dar a história de um rapaz, Anteu, que vai ficando sozinho na sua aldeia à medida que os seus pais e os restantes habitantes vão morrendo. Sozinho, acabará por criar um mundo dinâmico feito de contrastes ou opostos, algures entre a vida e a morte (ou o berço e a cova), mas também o preto e o branco, onde frequentemente o diálogo em off se desliga das imagens para procurar um conteúdo alternativo, mas que se acaba por conjugar numa proposta que perdura na nossa memória muito depois de terminarem os créditos.
A narrativa do filme resulta numa colaboração entre Frederico Lobo e Luís Palito, para além de Gonçalo M. Tavares na narração. A rodagem decorreu na aldeia de Covas do Monte, perto de São Pedro do Sul, no distrito de Viseu, e contou com a participação dos habitantes locais. Anteu foi apresentado em Vila do Conde, passou entretanto no festival de Nova Iorque e em janeiro fará parte da programação do festival de Roterdão.
Seguiu-se A Árvore, de André Gil Mata, numa produção da CRIM, que passa em Coimbra depois da estreia mundial no Fórum na Berlinale, em fevereiro passado, e depois da exibção no IndieLisboa. Já muito se falou deste cinema que propõe um diálogo – ainda que o filme viva quase sem eles -, com o tempo e a memória, cruzando um homem velho e uma criança num cenário que se diria pós-apocalíptico, transtornado por guerras.
É nesse ambiente que câmara desliza imperceptível arrastando imagens lunares de uma beleza incomparável captadas por João Ribeiro. Também já muito foi dito a propósito da proximidade com Belá Tarr, mestre de Gil Mata, e, mesmo, Tarkovsky. De resto, referências assumidas pelo próprio, que não apagam o registo de filme de arte.
A segunda sessão do dia haveria de trazer ainda um trio de filmes com a memória ancorada num passado africano. Desde logo, os 12 minutos de Madness, de João Viana, outro dos portugueses que marcaram presença em Berlim (também com a versão mais longa Our Madness), sobre uma mulher, a modelo Arnania Rainha, que sai de um asilo para procurar o filho.
André Guiomar trouxe a Coimbra a realidade do povo albino na curta Pele de Luz, vencedor do Prémio do Júri no DocLisboa, a ilustrar a história de duas irmãs de Maputo, Anifa e Isa, que lidam de forma diferente com os raptos e a forte componente religiosa, as crenças no limite da magia negra, que asfixiam o seu dia-a-dia.
Este foi um filme alinhavado por várias histórias, como a de Anifa que conseguiu escapar a uma tentativa de rapto, em pleno centro de Maputo. Apesar dos problemas técnicos que afetaram a sessão, ficaram evidentes os méritos de Pele de Luz.
Por fim, O Conto de Ossobó revela a procura de Silas Tiny, no seu regresso a São Tomé depois de ali ter saído com os pais aos cinco anos de idades, e após três décadas em Portugal onde realizou a sua formação em cinema. Recupera agora essa memória, dos traumas da colonização portuguesa, da escravatura.
Gradualmente, vai retomando o seu contacto com a memória, como se aquelas imagens perdidas de uma mala com fotografias de São Tomé, que ficaram para trás durante essa viagem acidentada, fossem tomando forma. Fica assim aberta a porta para um cinema de descoberta que Silas Tiny tem a responsabilidade de continuar a recuperar.