Como se diz amor em árabe?, alguém pergunta no início do há muito aguardado filme do tunisino Abdellatif Kechiche. A resposta torna-se dividida, já que são diversas as expressões para descrever essa coisa imaterial. Por isso, muito mais importante passa a ser o mektoub, o instinto, aquilo que nos faz mover e procurar. É precisamente essa a busca de um grupo de amigos jovens e belos, entregues à celebração da sedução na região do Sete, no litoral sul ocidental de França.
Este não um filme dividido em dois atos, como foi inicialmente anunciado, mas em três, como o próprio cineasta explicou na conferência de imprensa. Prepara-se assim um tríptico sobre a sublimação do corpo e do espírito no tal permanente deleite que sempre tem acompanhado o seu cinema. Desta feita, captado com a luz magnífica desta região muito visitada pela comunidade magrebina e a contagiar-nos com todos os tons e sabores. Talvez por isso, Kechiche defina este como como anarquista.
No centro, está o regresso de Paris do jovem Amin, defendido com uma graça plácida por Shaïn Boumédine, um arrependido estudante de medicina, fotógrafo entusiasta e argumentista à procura de inspiração. Logo de início, testemunha pela janela da casa de uma amiga uma cena de sexo vigoroso, captado com o mesmo erotismo de A Vida de Adèle. Há que explicar que Kechiche recua a 1994, como que para conferir ao filme alguma dose de nostalgia de um certo tempo que escapa ao presente. E que permite, por exemplo, uma banda sonora para animar o nosso próximo verão.
E do que falamos quando então falamos de amor? Por que se trata de Kechiche é natural que esta seja um cinema em que os corpos e as respetivas curvas tomam conta da ação, bem como as suas diversas dimensões orgânicas. Seja a fazer sexo, a comer, a beber, a beijar. E até o cheiro quase nos invade neste filme demasiadamente sensorial. Por isso, quem acompanha a carreira do cineasta desde o início sabe que a sensualidade é pedra de toque, tal como a ligação ao Magrebe. Mais conhecido depois do premiado O Segredo de um Cuscuz, em 2007, desde cedo afirmou um cinema em que o tempo faz o seu feitiço num modelo de cinema que penetra debaixo da pele. Hafsia Herzi também aparece aqui para apimentar ainda mais uma noite na discoteca.
Voltemos ao amor, só para definir que é o destino (o mektoub) que o decidirá. Por isso mesmo, o seu primo Toni e a sua melhor amiga Ofélie alternam entre o restaurante da família, a praia e as discotecas. Mas Toni sabe tudo sobre a arte do engate e na praia logo seduz outras duas francesas em férias. Veremos celebrações de alegria e sensualidade em banhos festivos na praia, onde por vezes a contraluz adorna aos corpos uma patine extra de beleza e mistério. Tal como o mistério do nascimento das cabras que de imediato se coloca, de pé, prontas a enfrentar a vida, também estes jovens sorvem o néctar da celebração da vida na dança, no sexo, na alegria. Se calhar, isto já é suficiente para fazer uma pequena obra-prima, não?
É claro que o filme até poderia ser editado com algumas sequências que ultrapassem o apelo e o timing habituais. Primeiro, na discoteca, uma sequência com meia hora de duração, embora com alguns segmentos repetitivos; depois, um outro número musical a denotar a mesma repetição já depois de esgotado o prazer da cena. Isso estraga o filme? Negativo. Mesmo ultrapassando os ligeiros apupos, como a colega francesa que argumentou estar cansada de ver tantos rabos. Pode ser. Eles existem, sim senhor, no meio deste filme extremamente sensual – talvez um dos mais sensuais que vimos -, embora nunca exploratório e apenas no ritmo como esse querido verão estava a ser desfrutado por todos.
Perdoe-se a usurpação do título do filme de Miguel Gomes para ilustrar esta nostalgia de verão. Tão somente para partilhar esses momentos distendidos em que tudo é mesmo possível. Em que o amor e as paixões carregam as hormonas e fazem homens mulheres de jovens e adolescentes. É como diz Kechiche nas notas de produção: este filme pretende ser um hino à vida e à luz, uma ode à beleza. Bonito.