Os olhares de três jovens cineastas portuguesas dão conta da pujança do mais recente cinema luso no filme de conjunto Três Realizadoras Portuguesas, que chega agora às salas de cinema. “Um acto de resistência e uma celebração do cinema português no feminino”, como descreve a produtora Filipa Reis, também responsável por esta sessão especial. Em pequeno formato, é certo (e numa sessão de aproximadamente uma hora de duração), se bem que se perceba que tanto em Dia de Festa, em Ruby como em Os Cães que Ladram aos Pássaros esconde-se uma intenção maior de cinema que nos deixa apetite para acompanhar o trajeto futuro das cineastas Sofia Bost, Mariana Gaivão e Leonor Teles.
Seja como for, se haverá algo que possa unir estas três curtas, todas elas mostradas em festivais internacionais de classe A, será talvez uma certa euforia em afirmar a urgência de um cinema que sabe ser contemplativo e profundo ao mesmo tempo, mas sem deixar de ser contagiante. Como se refletisse, por um lado, uma certa vontade de liberdade, conjugada com a tremenda vibração cosmopolita do nosso país, algo talvez mais evidente em Ruby, de Mariana Gaivão, e Cães que Ladram aos Pássaros, de Leonor Teles, que no mais sofrido Dia de Festa, mas sem por isso ser menos apetecível (muito pelo contrário).
Este é também um cinema pré-covid exibido já em tempo de desconfinamento, ou seja, sem distanciamento social – essa coisa funesta que um dia se inventou para nos manter à distância -, precisamente focado naquilo que nos aproxima. Ou distancia. Até porque é também um cinema que sofreu tanto por estar fechado. Talvez por isso saiba tão bem sentir a forma incomum como cada uma das cineastas trabalha a proximidade com o outro.
É precisamente essa força ambivalente que faz vibrar Rita Martins na sua brilhante prestação em Dia de Festa, a segunda curta de Sofia Bost (depois de Swallows, em 2014), exibida o ano passado na Semana da Crítica, em Cannes (e tendo já sido apresentada em quase duas dezenas de festivais), oferecendo-nos um tremendo monólogo interior em que o amor e o ódio, ou pelo menos um sentimento de incompatibilidade familiar, a obriga a enfrentar um passado funesto no dia dos anos da filha. Teresa Madruga necessita apenas de uma cena para mostrar toda a sua classe. Ao enfrentar uma gestão de emoções opostas Sofia Bost agarra-nos nesta desconcertante e contida produção de Filipa Reis e João Miller Guerra, para Uma Pedra no Sapato, bem alinhavada pelo guião apurado de Tiago Bastos Capitão.
Do espaço confinado realista de Sofia Bost abrimos para a amplitude naturalista do interior beirão, em Ruby, de Mariana Gaivão, em produção da Primeira Idade, exibido no último festival de Roterdão e Vila do Conde (entre outros). Interessantes os pressupostos de uma comunidade de emigrantes britânicos instalada em redor das praias fluviais de Góis (tão perto do ambiente em que Miguel Gomes filmou Aquele Querido Mês de Agosto nos idos de 2008), permitindo redescobrir esta região de terra queimada graças aos incêndios florestais, conjugando o momento coming of age da luso-britânica Ruby (Ruby Taylor), a facilitar uma noção nostálgica de tempo e do espaço (do tal verão que acaba). Algo que é temperado pela angústia adolescente e pelo inesperado interesse com que o ritmo tecno converte uma gruta numa inesperada sala de dança. Ah sim, existe ainda um cão chamado Frankie, também ele deslocado e à procura de ser descoberto. De certa forma, um ambiente que nos faz recordar o captado pela chilena Dominga Sotomayor, no recente Tarde para Morir Joven, de 2018.
Por fim, o olhar de Leonor Teles vagueia pela realidade cosmopolita portuense, em Os Cães que Ladram aos Pássaros (outra produção de Uma Pedra No Sapato), estreado o ano passado em Veneza (e nomeado para melhor curta europeia) permitindo-lhe fruir da noção de ‘gentrificação’, o tal fenómeno de restruturação de bairros (se calhar, podemos chamar-lhe praga do airbnb ou da especulação imobiliária), pela forma como uma mãe e os seus quatro filhos adolescentes lidam com a mudança de espaço. Serão essas mudanças que suavemente se intrometem nesse quotidiano em suspensão, bem trabalhado pela banda sonora a facilitar essa liberdade do olhar. Seguramente, um projeto bem diferente do ambiente ‘quase western’ em forma de documentário gerado pelo ótimo Terra Franca. É assim que o cinema luso (no feminino) germina. E se desconfina.