Asia Argento nunca perdeu a sua pose punk. Nem a atitude de intervenção. Em Berlim, ficamos a conhecer um pouco melhor a actriz que completa 47 anos na próxima terça-feira, dia 20 de setembro. Ela que teve uma influência decisiva no arranque a concretização deste projecto, Óculos Escuros. Quase uma espécie de regresso às suas próprias origens quando vias filmes de terror em vez da Disney. E assim se tornava popular na escola, como nos confidenciou na nossa entrevista.
Como foi voltar a trabalhar com o seu pai?
Foi ótimo. Mas também não iria dizer que tinha sido horrível, não é?… (risos) Não, não. Acho que foi melhor ainda, porque já passaram alguns anos sobre o nosso último filme em conjunto. Estamos ambos mais maduros. Este foi um papel mais pequeno mas que me permitiu apreciá-lo ainda mais. O Dario teve uma equipa fabulosa de actores e técnicos. Como filha, actriz, colega e produtora só posso dizer que foi uma ótima experiência.
Sente que o Dario estava ainda mais feliz por poder regressar ao género giallo?
Sabe, não vejo nele essa distinção entre os géneros do terror. Isso é algo que os jornalistas fazem. Este é um filme Argento. Só ele pode fazê-los. Não é que ele pensasse que agora iria fazer um giallo, um thriller com tons de horror, ou outra coisa qualquer. É o seu mundo de fantasia, onde ele não coloca uma etiqueta.
Quando era ainda muito jovem já achava piada a esse género mais violento dos filmes do seu pai?Sempre fui a sua maior fã! Lembro-me de ter cinco anos e de ver o Profondo Rosso/O Mistério da Casa Assombrada (1975). E lembro-me porque tenho ainda as fitas Betamax. E lembro-me de vir da escola com os meus amigos que mentiam aos pais e vinham ver filmes de terror em minha casa. Para mim era também uma forma de ser popular na escola, como a menina que tinha filmes de terror em casa. Não posso dizer que seja uma fanática de filmes de terror. Só porque acho que o género perdeu um pouco a sua qualidade. Mas para mim o género não me interesse. Gosto de filmes muito diferentes.
Não ficou assustada de ver o Profondo Rosso aos cinco anos?
Acho que fiquei. Sou o resultado disso mesmo!! (risos)…
Li algures que foi a Asia que encontrou o guião e o apresentou ao Dario. É verdade?
É uma metáfora que fui eu que o encontrei nomeio do pó… A realidade é que me lembro desse guião — já não sei bem porquê — e que tinha este título Occhiali Neri. Lembro-me porque ele o tinha escrito nos anos 90. Já não me lembro se foi antes do La síndrome di Stendhal/Viagem ao Inferno (1996) ou logo a seguir. Entretanto, o produtor foi à falência e acabou por não avançar com o projecto e fez outros filmes. Quando um filme fica por fazer é devastador. Isso já me aconteceu. É quase como perder uma criança. Mas o guião estava pronto. E na altura nem havia internet, apenas disquetes. Traduzi-o para inglês e arranjei um investidor francês e daí seguiu.
Como lidou com essa dimensão da cegueira, mesmo sendo apenas a assistente que ajuda a invisual. Que tipo de pesquisa fez?
Foi interessante porque o meu bisavô materno perdeu a vista na Primeira Grande Guerra e foi o fundador do centro de invisuais italiano. Aí se aprendia braille e trabalho relacionado com os invisuais. É uma pessoa muito conhecida em Itália por isso mesmo. Essa foi uma dimensão espiritual que me interessou bastante.
Gostou de ver o seu pai em Vortex?
Claro que fiquei rendida. Mas, atenção, ele não queria fazer o filme. O Gaspar, que é um amigo comum e que pensava neste filme há muito tempo tentou convencê-lo, mas ele não queria. Achei que o meu pai na personagem do homem era brilhante. Então tentei convencê-lo. Percebi que ele teria de estar no set. Ele é uma criatura dos sets de cinema. Quando era ainda um rapaz, antes de ser crítico, já andava pelos sets. Ou estava no seu quarto a escrever, a fumar um charro até aos 70 anos, sempre no seu mundo de fantasia. Ou então estava no set. Percebi que esse seria um bom exercício, sobretudo num momento de pandemia. E também porque seria tudo improvisado. Algo que ele nunca fez.
Tem algum outro projecto como realizadora?
Não, estou apenas a escrever lentamente. Talvez para o próximo Verão. Mas tenho vários projectos como actriz. Houve uma altura em que deixei de querer ser actriz.
É também uma activista dos direitos das mulheres… Como é que isso se liga na sua vida?
Ouça, foi um acidente, digamos. Não foi nada que eu me empenhasse. Nunca quis ser porta-voz de coisa nenhuma. Apenas contei a minha verdade, mas depois a minha voz gerou-se um tsunami. Claro que muitas histórias de mulheres vieram comigo. Foi um momento muito doloroso da minha vida. Mas estou contente por já ter acabado. Percebi que posso ter uma voz forte nesta matéria porque não sou a vítima típica. Percebo que neste processo existem estereótipos. Mas eu sou uma mulher forte, apesar de ter sido abusada na minha juventude. Acho que isso não cabia no estereotipo que se criou. Isso criou alguma confusão, mas empoderou também outras mulheres que não queriam ser vítimas. Eu não me sinto como vítima, sinto-me como uma sobrevivente. Foi um momento da minha vida, mas o monstro está preso. Apesar de ter sofrido muito, tal como outras mulheres, acho que foi para o melhor.
Talvez a indústria tenha mudado também com isso.
Talvez não. O que vemos acontecer agora nos EUA é esta forma politicamente correcta que absorve a sexualidade no cinema. Agora diz-se que não se pode mostrar isto ou aquilo. Tal como a liberdade da mulher com o seu corpo. A minha mãe lutou por isso há muito tempo. A história é como uma espiral. Não é uma linha recta. Pensamos que seguimos em frente e as coisas mudaram para as mulheres, mas na verdade andamos para trás. Veja-se o que se passa nos EUA onde querem proibir o abordo. Percebemos que foi algo que não funcionou em nosso favor. Houve uma grande histeria em redor deste tema, algo que os media aproveitaram, mas desconfio que não ajudou a causa feminina. Infelizmente.