Sábado, Dezembro 14, 2024
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Curtas Vila do Conde: Natureza Humana de Mónica Lima é a melhor curta nacional

Natureza Humana, de Mónica Lima, foi escolhido pelo júri como o Melhor Filme da 31ª edição do Curtas de Vila do Conde, acumulando também o prémio do público; já Basil da Cunha, com 2720, recebeu o prémio de melhor realizador. Surpresa? Nem por isso, pois ambos os projetos traziam já na bagagem o reconhecimento e a premiação em certames internacionais. No caso de Mónica Lima, a distinção no festival de Roterdão, além de prémios no festival REGARD (Canadá) e no Achtung Berlin. Quanto a 2720, recebera já o prémio FIPRESCI, em Oberhausen. De fora da premiação, ficaram outros filmes igualmente importantes e que comprovam a lucidez de uma geração bem preparada. Falo naturalmente de Corpos Cintilantes, de Inês Teixeira, exibido na Semana da Crítica, em Cannes, Blackpot, de António Pinhão Botelho, talvez o melhor deste lote, e ainda O Filme Feliz :), de Duarte Coimbra.

Crista Alfaiate, em ‘Natureza Humana’: Melhor Filme (Foto: IFFR)

Em Natureza Humana, Mónica Lima serve-se de uma naturalidade urbana, captada em tempos de confinamento, para refletir as incertezas do mundo e um certo sentido da vida. O filme evoca precisamente esse espaço de espera, do tempo que passa, da esperança de algo diferente que possa germinar. Simples e atraente no seu propósito, mesmo sem deslumbrar. Talvez nos seus antípodas, o prolongamento do cinema de Basil da Cunha, deambulando em espaços que conhece bem. Daí o uso do código postal para outras orientações: 2720, como quem diz, lá para a Damaia e Reboleira. Aliás, de onde vem todo o seu cinema. Antes de partir para Locarno, onde tem apresentado alguns projetos, Basil deixa-nos esta história que une uma comunidade através de um sinuoso plano sequência. Um recurso cinematográfico a que recorreu também David Ferreira, em Campos Belos, embora mais como exercício de estilo.

2720, de Basil da Cunha (Melhor Realização)

Em 2720, o cineasta foca o trajeto da menina Camila à procura do irmão desaparecido após uma rusga policial no bairro, na noite anterior, e de Jysone, um jovem em busca de uma boleia que o possa levar ao novo emprego. Isto depois de ter passado seis anos na prisão. Pelo meio, ambas as personagens se cruzam com diversos elementos do bairro, onde é dominante a entreajuda comunitária. O filme é muito seguro – o melhor desta seleção – antecipando apenas em algumas semanas a longa Manga D’Terra, no concurso internacional para o Leopardo de Ouro, em Locarno.

Curioso ainda o trepidante polar Blackpot, de António Pinhão Botelho, comprovando o seu à vontade na adaptação eficaz que faz da novela de Dennis McShade, em que os peões de uma organização criminosa se procuram reorganizar no meio de uma purga interna. Fica-se com a impressão de que por ali poderia passar um filme com uma densidade diferente, mesmo que Simão tenha ignorando o aviso jocoso que o pai (João) Botelho lança a uma personagem partir de uma fotografia animada – “vais fazer merda”!

‘Corpos Cintilantes’, de Inês Teixeira (Foto: Agência Curtas)

Igualmente no nível mais elevado da safra deste ano esteve Corpos Cintilantes, de Inês Teixeira, que chegou a Vila do Conde depois de integrar a seleção de curtas na Semana da Crítica, em Cannes. Estes podem bem ser os corpos adolescentes, recém-formados, muitos deles intocados, mesmo que comprimidos pelo rolo compressor da sociedade. Tal como as mulheres entaladas, petrificadas, entre as portas e as sacadas de muitos edifícios das Avenidas Novas em Lisboa. É um pouco como vive Mariana (Maria Abreu, a ‘Girafa’ revelada no excelente Tristeza e Alegria na Vida das Girafas), de certa forma, ‘entalada’ nessa ténue obscuridade, que Teixeira (e a fotografia de Vasco Viana) captam naquele momento, o lusco-fusco, entre a adolescência e um estado mais maduro.

O Filme Feliz 🙂 (Foto: Uma Pedra no Sapato)

Merece ainda referência O Filme Feliz :), no saudoso regresso de Duarte Coimbra, após o delicioso Amor e Avenidas Novas, de 2018. Uma vez mais, o que emerge é sobretudo uma ideia de um cinema leve, esclarecido e devidamente musicado, como uma identidade que começa a formar o seu corpo de cinema. E um apalavra para Flyby Kathy, na evocação que Pedro Bastos faz de Kathy Harcout, conhecida como a primeira porn star do Reino Unido, pela forma como combina a materialidade da película na evocação da memória e o testemunho da voz de Kathy.

A fechar, talvez referir que mais importante do que comparar o valor da edição deste ano, será salientar a intensa reafirmação e redescoberta de novos talentos do cinema português. Seguramente, um aperitivo para prolongar no ciclo que a Cinemateca dedica às várias gerações da Escola Superior de Teatro e Cinema, responsável pelo que de melhor temos no cinema nacional.

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