E o grande vencedor do Urso de Ouro da 74ª edição da Berlinale foi Dahomey, o documentário de pouco mais de uma hora (67 minutos), assinado pela cineasta franco-senegalesa, Mati Diop. Esta a decisão do júri internacional dirigido pela atriz e ativista Lupita Nyong’o e coadjuvado por Brady Corbet, Ann Hui, Christian Petzold, Albert Serra, Jasmine Trinca e Oksana Zabuzhko.
Neste filme fica registado o ato (dir-se-ia simbólico) da restituição de 26 peças do património artístico da República do Benim, o antigo reino do Daomé (Dahomey), um protetorado francês, em meados do século XIX, depois anexado ao seu império colonial. Foi nesse contexto que mais de um milhar de peças de arte foram saqueadas e levadas para França. Razão pela qual, este gesto simbólico, acordado com o governo de Macron, em 2021, em plena pandemia, foi registado por Mati Diop e celebrado como uma verdadeira festa nacional.
Pese embora uma certa linearidade de um documento que acompanha esse processo de devolução das peças, Dahomey ganha relevo pela forma como personaliza, e dá voz, esses artefactos. Aliás, ficou igualmente plasmado no filme a urgência da restituição da totalidade dos objetos saqueados. Afinal de contas, uma questão dirigida a todos os povos colonizadores. Algo que a cineasta mencionaria na hora de receber o Urso de Ouro.
Se o prémio do melhor filme terá surtido alguma surpresa, o mesmo já não se dirá do Grande Prémio do Júri, atribuído ao coreano Hong Sang-Soo, por A Traveler’s Needs. Isto porque este cineasta repetente (já na 9º presença em Berlim) recebeu exatamente o mesmo prémio, há dois anos atrás, por A Romancista e o Seu Filme. Por fim, o terceiro lugar do pódium seria ocupado por L’Impire, de Bruno Dumont, uma co-produção que integra a portuguesa Rosa Filmes, envolvendo uma narrativa apocalíptica de eminente invasão extraterrestre na pacata região de Pas-de-Calais, conferindo uma metáfora sobre o inenarrável posicionamento geo-político do mundo.
Uma outra curiosidade a unir este trio de premiados é que são todos filmes parcialmente falados em francês. Em contraste com os prémios de interpretação, ambos em língua inglesa: a melhor interpretação, para americano de origem romena Sebastian Stan, em A Diferent Man, ao passo que a britânica Emily Watson, conquistou o prémio secundário, em Small Things Like These.
De referir ainda o prémio de realização seria entregue ao dominicano Nelson Carlos De Los Santos Arias, por Pepe, um divertido registo ensaístico, entre o documentário e o filme de arte, em que o protagonista é um hipopótamo ancestral, que terá uma curiosa ligação a… Pablo Escobar.
No que diz respeito à outra secção competitiva, Encounters, onde concorria o muito interessante e inquietante, Mãos de Fogo, de Margarida Gil, o vencedor foi Direct Action, da dupla Guillaume Cailleau. A brasileira Juliana Rojas receberia o prémio de realização, por Cidade; Campo, e quando ao prémio do júri seria repartido ex-aequo, por The Great Yawn of History, de Alyar Rasti, e Some Rain Must Fall, de Qiu Yang.
O prémio da crítica internacional (FIPRESCI) teve igualmente um significado especial para a dupla iraniana Maryam Moghaddam e Behtash Sanaeeha, autores do vencedor My Favourite Cake, e impedidos de sair do Irão. Também aqui um apenas interessante olhar para o romance sem idade num país dominado pela polícia dos costumes.
Este foi o palmarés de um festival que refletiu, em grande parte, o deprimente estado do mundo, sobretudo com o contexto omnipresente dos dois anos da guerra na Ucrânia, bem como o conflito no Médio Oriente, de resto, denunciados pela esmagadora maioria dos vencedores, expressando palavras de ordem pelos diversos males destilados no mundo. No ano em que a dupla de diretores cessante, Mariette Rissenbeek e Carlo Chatrian, se despedem para serem substituídos, já para o ano que vem, por Tricia Tuttle, pode dizer-se que esta foi uma edição em que o valor das causas superou o valor dos filmes.
PALMARÉS
Prémios internacionais
Urso de Ouro – Melhor Filme
Dahomey, Mati Diop
Grande Prémo do Júri
A Traveler’s Needs, Hong Sangsoo
Prémio do Júri
L’Impire, Bruno Dumont
Melhor Realização
Nelson Carlos De Los Santos Arias, Pepe
Melhor interpretação
Sebastian Stan, A Different Man
Interpretação Secundária
Emily Watson, Small Things Like These
Melhor Argumento
Matthias Glasner, Dying
Contribuição Artística
Martin Gschlacht (fotografia) – Des Teufelds Bad