Começou a escalada das marches, as famosas escadas que dão acesso ao Palácio dos Festivais, onde decorre a maior parte das sessões oficiais, todas elas acompanhadas por uma multidão em fúria, fotógrafos histéricos para obterem a chapa que venderão às agências, bem como das próprias estrelas e starlettes que já não passam sem uma selfie. De tal maneira que o delegado do festival Thierry Frémaux acabou por solicitar que esse momento fosse o mais breve possível. Por falar em escadas, eslas estão presntes no trailer oficial do festival que antecede cada filme, em que uma escada que emerge das águas e se estende ao céu; tal como no cartaz oficial da 69ª edição, em que Michel Piccoli sobe as escadas diante do sol mediterrâneo, no filme O Desprezo, de Jean-Luc Godard, de 1963, onde encontrará uma Brigitte Bardot a tomar banhos de sol, totalmente nua. Mas mesmo sem sol, Cannes já vibra com o novo do Woody Allen!
Vamos lá ver, é bom ou mau? Desde logo, Woody não sabe fazer mal. Sobretudo quando se trata de uma homenagem a um período de enorme euforia em Hollywood e o boom dos clubes nocturnos, como o Coconut Grove, em LA. O problema é que acaba por sofrer com algum excesso de valores produção e ambiente que tornam o filme demasiado vistoso e perfeitinho. Naturalmente, um trabalho que não põe em causa a fotografia de Vittorio Storaro e a decoração de Santo Loquasto, ainda que esse high profile não se traduza num valor acrescentado ao plot romântico.
Woody Allen que já completou 80 anos, envolve-nos numa divertida história de amor e desencanto, ao som dos anos 30, em que Steve Carell assume com alguma garra o papel do agente Phil, uma espécie de Jorge Mendes de Hollywood, ou Jeremy Piven, da série Entourage. Ele é o agente em quem Ginger Rogers está a pensar, o amigalhaço de Errol Flynn, Paul Muni, de John Wayne, mas também dos donos de estúdios, produtores, enfim. Bobby é o sobrinho, acabadinho de chegar de Hollywood, a pedir ajuda ao tio para lhe abrir uma porta. A coisa funciona e ambos acabam por ser mútuos confidentes. Mesmo sem um excesso de nepotismo, como refere Phil a certo ponto.
Kristen Stewart será mesmo uma dama no meio de dois homens, a jovem Vonnie, secretária de Phil, acabará por infectar no coração do jovem um forte sentimento, apesar deste não saber que o tio já era amante dela. Entre promessas de casamento e ideais de vida modesta, o destino anuncia caminhos diferentes para os dois. A história desenrolar-se-á entre o sol romântico de Los Angeles e as sombras mais realistas de Nova Iorque, onde eventualmente Bobby assumirá o destino de um clube nocturno, desta vez com a ajuda do tio Ben (Corey Stoll), homem da má vida, mas que o permite ficar também mais próximo da família e da sua mãe, com uma impagável composição de Jeannine Berlin. Já assumidamente um judeu empreendedor, encontrará novo amor com uma mulher de nome familiar, Verónica, mas desta vez interpretada pela deslumbrante Blake Lively. Mas quando inevitavelmente Bobby se reencontra com Vonnie, em Nova Iorque, a chama reacende-se. Mas não o suficiente para nos aproximar do dilema de Bogart e Bergman, em Casablanca. Não. Café Society fica com uma comédia romântica decente, mas sem pretensões. Aliás, não foi o próprio narrador que diz que se trata de uma comédia escrita por um sádico?