Encarando esta nova edição do FEST arriscaria dizer que se trata de um menu saboroso e bastante calórico. Não sei se esta expressão faz algum sentido. Como a descreverias?
Provocadora no mínimo, como tal sem dúvida que também saborosa, obrigatoriamente calórica e acima de tudo recomendável. François Truffaut disse algo do género, que todo o grande filme tem de ser capaz de nos dizer alguma coisa sobre o mundo. Como vivemos dias estranhos, de muita instabilidade, este ano apostamos em filmes realizados por novos autores que não se intimidam no momento de expressar a sua visão. Acabamos com um programa que tem muito para contar, cobrindo uma serie de temas absolutamente essenciais neste momento.
Vamos por partes. Já vi alguns filmes da competição internacional para o Lince de Ouro, mas quais destacarias?
Destacaria de imediato um filme que estou curiosíssimo de testemunhar as reacções. Tratasse de The Invisible Hand do espanhol David Macián. É uma alegoria fantástica sobre as relações laborais nesta era da austeridade. O filme, apesar de denso e desconfortável, tem tido um enorme impacto junto do público em Espanha. Park, da grega Sofia Exarchou, não lhe fica nada atrás, já que vem recheada de um simbolismo impressionante.
O filme transporta-nos para as ruínas da aldeia olímpica em Atenas, nesta altura em que o país está também ele em “ruínas”. Contar uma história de falta de oportunidades e perspectivas de futuro num cenário tão icónico, é sem duvida uma experiência que dá que pensar. Outra terá de ser obrigatoriamente As You Are, de Miles Joris-Peyrafitte, já que é uma das grandes obras do cinema independente norte-americano dos últimos anos, vencedora do prémio do júri em Sundance. Por ultimo, e falando em provocação, destacava ainda The Road Movie, de Dmitrii Kalashnikov, um documentário disfarçado de compilação YouTube de acidentes e peripécias nas estradas russas. É um filme que desnuda o verdadeiro carácter da Rússia de Putin, com todas as suas contradições, loucuras e mitos. O filme não deixa ninguém indiferente e tem provocado reacções muito polarizadas, como acontece com todos os grandes filmes. Mas há muito mais nesta edição do FEST, não faltam filmes merecedores de destaque.
O cinema português tem também uma secção de curtas onde parece dominar o critério da escolha, pois são alguns dos filmes mais marcantes do ano passado. Também aqui o que não será de perder?
Há uma mistura. Tendo em conta que o FEST é possivelmente o mais internacional dos festivais em Portugal, com muitas centenas de participantes estrangeiros, parece-nos importante mostrar uma visão abrangente do cinema nacional, exibindo uma larga escolha e variedade de obras. Em primeiro lugar destaco Ivan, de Bernardo Lopes. Há já alguns anos que seguimos com muita atenção o desenvolvimento do Bernardo, e acredito piamente que em breve será uma referência. Depois do sucesso da sua anterior curta, Lux, mostra-nos agora uma nova versatilidade, que abre o apetite para o que virá em seguida. Destacava ainda Maria Sem Pecado, de Mário Macedo, um documentário que me tocou. O filme retrata um ex presidiário que regressa ao mundo para continuar fechado em casa a tratar da sua mãe que está de cama. É um filme que dá muito que pensar.
Melissa Leo é, provavelmente, o nome mais sonante da vossa lista de convidados para o Training Ground. Mas não só. Qual foi o vosso critério de convites e escolha de personalidades?
O maior critério é encontrar profissionais que para além de terem muito para partilhar, sejam capazes de o fazer eficazmente e da forma mais concreta possível. Não queremos que o Training Ground seja um mero conjunto de Q&As nem uma semana de palestras teóricas. Queremos dados concretos, pragmáticos e que possam oferecer aos nossos participantes soluções eficientes para os problemas que são comuns a qualquer produção cinematográfica. Isto requer uma pesquisa interminável, mas felizmente não faltam profissionais de renome com vontade de partilhar a sua experiência. E este ano voltamos a ter um cartaz de luxo. Para além da Melissa temos o Alan Starsky, designer de produção da Lista de Schindler e O Pianista; temos Iam Smith, produtor de Mad Max: A Estrada da Fúria; Edward Lachman, Director de Fotografia de As Virgens Suicidas e Carol; etc. Será uma ano muito bom.
Na verdade, assim de repente, não me lembro de um festival onde o cinema viva tão perto daqueles que o fazem. Será esse o vosso mote? Isto para não falar da praia e das fe
A praia e as festas não são de descurar obviamente, ainda para mais quando este ano vamos fazer cinema ao ar livre, e sendo o evento em Espinho, obviamente que terá lugar na Praia. Mas sim, eu que passo algum tempo a saltitar de festival em festival não consigo encontrar muitos outros eventos que concentrem tantos criativos para se falar, debater, ver e dar a conhecer cinema. Um dos pontos mais interessantes é mesmo esse, quebrar a barreira que separa o criadores da audiência. O cinema é frequentemente um mundo tão elitista, com zonas vips e convites especiais em cada canto. No FEST deitamos os muros abaixo e criamos um ambiente que me parece único. O mais interessante é que ninguém sai do FEST sem se sentir mais enriquecido pela experiência. E isso é todo o alento necessário para continuarmos a crescer.