Depois de nos deliciar com o uso do tempo de uma forma profundamente cinematográfica no delicioso Memento, Christopher Nolan aposta num novo feitiço do tempo para ilustrar a reação britânica na retirada da praia de Dunquerque, reiterada por uma montagem paralela destinada a revelar os diferentes momentos do que ia sucedendo em terra, mar e ar, naquela primavera fatídica de 1940. Só que esse efeito resulta em pouco mais do que uma mera representação esquemática que cedo se dispersa e cuja emotividade é arrancada a ferros pelo score persistente e irritante de Hans Zimmer, determinado a transformar a operação Dínamo num interminável momento de suspense que desbarata as linhas de força deste episódio histórico. Pois é, temos pena.
No final, dois dos sobreviventes que acompanhamos a espaços ao longo do filme chegam algo perdidos a solo britânico incertos da reação dos seus conterrâneos. Afinal de contas, são brindados com o tal aplauso de vitória apesar da derrota. Uma contradição que sentimos também ao perceber como este filme não conseguido vai sendo levado num andor acompanhado pelos coros laudatórios das manchetes de grande parte da crítica americana e britânica. Sim, Dunkirk parece ser o La La Land deste ano.
Ao longo dos anos, Christopher Nolan granjeou para si um nome suficientemente credível para concretizar algumas propostas ambiciosas de Hollywood, mais concretamente dos estúdios da Warner. Razão pela qual o homem da trilogia de Batman foi o mais talhado para descrever a retirada airosa das tropas britânicas das praias francesas, na conclusão da ocupação nazi ao território francês. De resto, segundo o próprio, um projeto que acalentava há duas décadas, portanto mesmo antes do brilhante Following, a sua estreia no grande formato, em 1998.
Vejamos, Nolan até é daqueles realizadores de quem apetece gostar. Se bem que a insistente moda em compará-lo a Kubrick começa a tornar-se irritante. Até porque este assumido anti war porn, provavelmente, destinado a distanciar-se o mais possível (e bem!) de Hawksaw Ridge, de Mel Gibson, nunca chega a afirmar-se naquilo que se propõe. Outra inevitável comparação, se bem que esta dificilmente seria a contrario, será com O Resgate do Soldado Ryan. Sendo que a grande diferença é que Nolan mostra-se ineficaz ao tentar alinhavar a história através dos dois soldados que chegam juntos ao final, bem como a convencer-nos desse colossal movimento de tropas, os tais 400 mil soldados, de regresso a casa, com uma versão alternativa do envergonhado Berxit. Percebe-se a intenção, se bem que a multiplicidade de pequenas histórias nunca nos permite fixar esse fio narrativo. O que torna cada vez mais ensurdecedor a constante pressão da banda sonora de Zimmer, como que a tentar colocar a emoção onde ela não parece ser possível.
Nolan pretende captar num momento esse episódio quase silencioso de olhar o horizonte e ver “a nossa terra”, a heroica participação civil das centenas de barcos de recreio capazes de chegar perto da costa e resgatar os conterrâneos, com a melhor interpretação do filme, a cargo do sempre fiável Mark Rylance, no civil que procura ainda assim vingar a morte do filho aos comandos de um Spitfire; de certa forma ilustrada até na figura de Tom Hardy, o piloto do caça que tem o gesto nobre de ir até ao fim do combustível para salvar mais algumas vidas. Mas onde a bota não bate com a perdigota é no deliberado uso de câmaras IMAX para, afinal de contas, captar uma grandiosidade que se deseja esconder. Apesar da contradição, o plano de Nolan é mesmo captar o lado épico do eterno soldado desconhecido, seja ele o cobarde ou o herói.
É também por aqui que sentimos que Christopher Nolan passou de novo ao lado do estatuto que foi criando. Depois do megalómano e sobrevalorizado Interstellar, propõe o gesto humanitário que provocaria o famoso discurso de Churchill “iremos lutar nas praias”. Não é isso que se vê em Dunkirk.