Quarta-feira, Outubro 9, 2024
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Ben Wheatley: “Estamos apenas a três refeições da guerra civil”

O que sucede quando um autor de culto se cruza com um realizador de culto? Talvez algo insólito e incompreendido como este Arranha-Céus. Um filme que vimos em San Sebastian vai para dois anos. E com o bónus de termos falado com Ben Wheatley, isto numa altura em que tinha acabado de filmar o alucinado Free Fire, também ainda sem estrear entre nós, mas já exibido no IndieLisboa. Mas aqui debruça-se nas escolhas difíceis ao trilhar o caminho complicado de J.G. Ballard. Ainda assim, um pequeno-grande filme que corre o risco de ser ignorado, ou desprezado, por uma visão mais apressada.

O J.G. Ballard é um daqueles escritores famosos por ser inadaptável ao cinema. Que tipo de desafio enfrentou para concretizar esta aproximação ao seu universo?

Não é bem que os seus livros sejam inadaptáveis, mas que o cinema é si é tocado de forma particular. Sobretudo para aqueles livros que afloram de perto a forma, a História e a Arte de forma agressiva ou violenta. Por exemplo, se este filme saísse em 1976 não teríamos essa questão. Esse era o mainstream na altura.

Ainda assim, sei que houve algumas tentativas de adaptação nessa altura. O que o fez avançar agora?

Há um ano e meio atrás (portanto, por volta de 2013), depois de terminar o A Field in England, estava à procura de um novo projeto e como já tinha chegado a um ponto em que podia adaptar romances, olhei para a minha estante e percebi que o Arranha-Céus ainda não tinha sido adaptado. Entretanto, percebi que era o Jeremy Thomas quem tinha os direitos e em três dias estava no escritório dele. Foi tão rápido como isso.

Acha que hoje, em comparação com os anos 70, vivemos um tempo algo semelhante, pelo menos em termos de instabilidade?

Politicamente, sim. Parece que vivemos nos anos 70 outra vez. Mas, pelo menos, não temos a ameaça nuclear que poderia varrer o mundo de uma forma global. Nesse sentido, o aquecimento global ou o terrorismo não se comparam em termos de instabilidade. É claro que as crises e o colapso económico tem uma ressonância próxima do que sucedeu em 2008. A diferença é que não tivemos música tão boa…

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(risos!!) Concordo! Mas como procedeu na sua aproximação ao estilo? Procurou este tipo de inspiração mais futurista?

É claro que há muitos filmes dos anos 70 que nos ajudam bastante. Mas se olharmos para a revista Furniture de hoje percebemos que não ase parece com o que temos hoje, não é? O que tentamos fazer foi basearmo-nos nas nossas memórias dos anos 70, mas ao mesmo tempo uma versão alternativa, neste caso alguns quatro ou cinco anos depois de 1975. No fundo, uma versão, não do que aconteceu, mas do que poderia ter acontecido.

Este é o seu primeiro filme com atores de série A. Porque razão decidiu usar atores conhecidos?

Em parte, tem a ver com o mundo aborrecido do financiamento do cinema, mas também com as possibilidades de alargar o público. É claro que podemos tentar ser heróis num filme de arte que ninguém vê.

Ver semelhante caos no ecrã poderia sugerir um caos mais alargado. Mas se calhar estou enganado…

Sim, está. Apesar do que se vê esta é um filme de baixo orçamento. Pelo menos, nos níveis de produção de Hollywood. Por isso, para podermos contar com este tipo de atores e estes décors temos mesmo de ser muito disciplinados.

Como encara este modelo de sociedade? Acha que pode aproximar-se do que temos hoje?

Não sei, mas não se diz que estamos apenas a três refeições da guerra civil? Isto porque começamos por ficar com alguma fome, depois esfomeados e a seguir fazemos qualquer coisa. Não é? Acho que é disso que fala o Ballard. Tudo isto é uma ilusão. É com que aconteça, mas não é para sempre. Se após o colapso dos bancos tudo tivesse vindo a baixo e não conseguíssemos retirar dinheiro dos bancos, o que aconteceria depois, quando não existisse comida para alimentar a nossa família? É aquele ponto em que passa a valer tudo, não é?

Este é um filme que me faz lembrar outro, passado num comboio. É o Snowpiercer

Sim, claro. O Snowpiercer é o High-Rise num comboio! Tal como A Torre do Inferno…

O Tom Hiddleston está ótimo neste filme. Mas essa poderia não ser uma escolha óbvia para este projeto. Porque o escolheu?

Por um lado, ele tem aquele look de film star que lhe fica muito bem. Mas é também muito inteligente. Algo que se vê nos seus olhos. Só que ao fazer este filme ele sabe também que vai ser um desafio para os fãs dele. Portanto, é algo que corre em diversos níveis. Mas foi um prazer trabalhar com o Tom.

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