Conversa com um cineasta à procura dos seus antepassados, mas num processo em que acaba por descobrir também o cinema. Bostofrio, où le ciel rejoint la terre é assim um filme de transição, em que o lado pessoal se mistura com o próprio cinema, tal como o nome português da aldeia se cruza com a língua francesa próxima de muitos emigrantes. Ou simplesmente como o céu se liga com a terra.
Como apresentarias Bostofrio : um filme de investigação à procura do teu avô, de ti mesmo?
Acho que é um filme que se serve dessa investigação para tocar alguns pontos que me interessavam do microcosmos que é Bostofrio e que acaba por abordar também muitas outras coisas que eu não esperava, como a religião e outras intrigas familiares com as quais acabo por ser confrontado no filme. Mas também acredito que no cinema andamos todos um bocado à procura de saber quem somos.
Já agora, poderemos também associar uma ideia de cinema, um cinema em que também procuras o teu próprio olhar?
Acredito que o olhar desta forma sobre a aldeia e suas gentes está muito ligado ao meu imaginário de infância daquilo que ali vivi. A geografia do lugar sempre teve sobre mim um poder avassalador, de monumentalidade, aquelas serras e montanhas eram quase como um sufoco em criança. Aquele isolamento. E acho que este olhar é criado a partir daqui. Uma espécie de representação do que sentia quando era criança. Porque agora já encontro explicação para muita coisa que na altura não tinha. Bostofrio era para mim um lugar distante onde vivia a minha avó e onde o meu pai tinha nascido há muito tempo e que demorávamos uma eternidade a lá chegar.
Temos de falar do tema, dos 150 mil filhos de pais (ou avôs) incógnitos, certamente algo que tem a ver com essa terra transmontana distante e selvagem. De que forma sentes que esse aspeto também acaba por moldar a tua personalidade e trabalho como realizador?
O ser terra a terra. O acreditar no trabalho e no engenho e não na ideia de artista. Acho que foi esse um dos grandes valores que me passou o meu pai. Sem trabalho nada chega, mas com trabalho é sempre mais possível que aconteça alguma coisa. As pessoas só se empenham quando acreditam naquilo que querem contar, por isso tenho a ideia de não me deslumbrar com muitas histórias. Porque há muito boas histórias muito mal contadas e acho que é mesmo necessário haver um compromisso profundo com aquilo que se está a trabalhar. Esse é um compromisso que eu quero assumir em cada filme que faça, se isso continuar a acontecer é claro.
De um ponto de vista formal, ou documental, percebe-se que preferes elaborar frequentemente um plano geral e deixar correr o improviso. Para esta escala e forma de trabalhar recolheste alguma inspiração em particular?
Matutei muito acerca disto para chegar à ideia de como queria filmar, não só para conseguir passar para a tela esta força de uma natureza que nos suga e que está sempre presente, como um olhar de verdade sobre as pessoas, um olhar horizontal. E aí parto para a rodagem com um olhar definido. Apesar de poder parecer estranho por ser o meu primeiro filme eu tinha a certeza absoluta que iria filmar desta forma. Foi construído sobretudo na minha cabeça antes da rodagem.
Percebe-se pois diriges, produzes, promoves…
Hoje em dia em Portugal o trabalho de realizador ultrapassa os limites, és produtor, és montador, és distribuidor, às vezes até és mesmo o exibidor (olhando para o meu filme anterior em que andei pela Guiné com projector e som às costas). Fazer um filme é como cuidar de uma planta, tens de a regar todos os dias, e se por algum momento a deixares com alguém ligar-lhe todos os dias para saber se o fez.
Depois de participar em vários festivais, Bostofrio chega finalmente às salas. Percebe-se que atrás de tudo está também o teu enorme empenho e dedicação. Esse parece ser certamente um percurso que não para aqui. Nesta altura atrevo-me a perguntar: o que de mais importante aprendeste nesta jornada (para além do que aprendeste sobre ti próprio)?
Nunca deixares o teu filho nas mãos dos outros e acreditares sempre. E agora acredito que talvez seja possível chegar aqui só com trabalho e sobretudo que o trabalho abre novas portas, sem máscaras.
Para finalizar, não resisto perguntar se aquela imagem impressionante imponente e macho do Boi é de certa forma o teu avô Espada, ou se tem outra simbologia.
É uma vaca ! Mas acho que foi uma maneira inteligente de ver a coisa, mas para mim acho que o meu avô está mais presente nas imagens da natureza, nomeadamente uma que não quero revelar 🙂 .