Quarta-feira, Outubro 9, 2024
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Mosquito: Finalmente temos o nosso Apocalypse Now!

Ultrapassando o lado redutor de uma eventual comparação ao filme de Coppola e, naturalmente, à obra de Conrad que lhe serve de inspiração, ou seja, centrando-nos exclusivamente na relação lusitana com o seu passado colonialista, percebe-se como este improvável confronto da obra do cineasta português João Nuno Pinto com o clássico Apocalypse Now acaba fazer algum sentido. Desde logo porque aqui embrenhamo-nos verdadeiramente na “nossa” própria guerra. Na verdade, este é um filme de guerra, mas em que o combate se trava de razões muito mais profundas. De certa forma, Mosquito é uma picada na nossa memória e do nosso trauma do conflito colonial. E deixa a sua marca.

Já agora, sem sairmos do território de comparações, Mosquito até poderia fazer lembrar-nos a ‘guerra a solo’ do recente e oscarizável 1917, de Sam Mendes, também ele inspirado na memória do avô de João Nuno Pinto. Se bem que a produção de Paulo Branco, curiosamente ambientada no mesmo ano, torne bem mais consistente o desnorte e galhardia do soldado Zacarias, que em vez de ir combater com brio em França, acaba à deriva na savana de Moçambique, a combater mosquitos e alemães, conforme o guião que o realizador partilha com Fernanda Polacow e Gonçalo Waddington. Afinal de contas, um espaço e uma liberdade que permitiu toda a exposição dramática do muito jovem João Nunes Monteiro, curiosamente, um ator com alguma experiência de ‘guerra’, ele que teve ‘uma perninha’ em Cartas da Guerra (2016) e até em Soldado Milhões (2018).

No final das duas horas de projeção deste filme que abriu o festival de Roterdão há cerca de um mês, torna-se inevitável admitir essa proximidade à obra de Joseph Conrad (de resto assumida pelo próprio realizador). Até porque também aqui o tempo se assume como personagem e que domina o iludido e franzino soldado colonizador que “trás a Guerra no pensamento e a Pátria no coração”, forçando-o a lidar com a realidade demencial daquela região que exalta fantasmas até hoje não retratados de forma tão eficaz no cinema português como em Mosquito.

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