Não há outra maneira de o dizer, a mini-série The Beatles: Get Back, disponibilizada via streaming para a Disney +, é uma excelente experiência de documentário musical e uma tremenda viagem no tempo e espaço. Esta revelação será não só a melhor mas, seguramente, a maior de sempre. Até pelo facto de nos ajudar a perceber e sentir a pulsação de cada membro da banda naquele preciso momento. Elementos que talvez permitam perceber o papel de liderança de Paul, de maior dispersão e liberdade de John, a inquietação artística de George, ou a abnegação de Paul. E até a constante (e muda) presença Yoko, encarada por muitos como geradora de parte do gradual afastamento da banda.
Muito mais do que a síntese que Peter Jackson faz das quase 60 horas de material filmado e gravado do projecto dos Beatles, reunidos para gravar um disco (seria o derradeiro Let it Be) e preparar um espectáculo ao vivo, Get Back é um preciosíssimo documento que encapsula um momento único no tempo. Uma verdadeira ‘long and winding road’ que nos diz tanto sobre o artista diante do seu processo criativo. Desde logo, os ensaios nos estúdios de Twickenham, onde se desenham alguns esboços de temas, e outras tantas ideias para espetáculos ao vivo, mas também a abertura das feridas de George, que haveria de afastar-se no final; uma segunda parte, que se inicia com essa reconciliação (talvez apenas para terminar o projecto), já nos estúdios da Apple; por fim, o apuramento desse derradeiro show que haveria de se realizar no telhado do edifício. Esse sim, bem conhecido, mas agora devidamente ampliado numa inesperada e completíssima dimensão.
Deste verdadeiro manancial audiovisual fez Peter Jackson esta enorme obra-prima. Tão prima que torna escassas essas quase oito horas de filme absorvidas de uma forma quase irresistível, permitindo-nos a inimaginável proximidade entre John Lennon, Paul McCartney, George Harrison e Ringo Starr, e de compreender as nuances na mente de cada um. Isto num momento absolutamente crucial das vidas e carreiras da maior banda de rock and roll de todos os tempos. Tudo se desenrola em 1969, após as sessões que conduziram ao ‘White álbum’, no ano anterior, e ainda com as divergências artísticas (e não só) entre os fab four que aceitaram reunir-se após uma prolongada ausência de concertos para o que seria a gravação de um programa de televisão com a inclusão de um concerto. Isto antes do seu afastamento definitivo. Get Back é isso. É esse ‘voltar atrás’, mesmo sabendo que, provavelmente, ‘we can’t go home again’.
Um dos aspectos mais marcantes (e sedutores) deste fenomenal documentário, ou making off, foi perceber a tremenda qualidade de imagem, som e meios ao dispor do realizador Michael Lindsay-Hogg, bem como do engenheiro musical Glyn Johns. Desde logo, a presença de microfones para captar toda a conversação entre os membros da banda (e até micros privados numa zona mais reservada), que terá facilitado enormemente a árdua tarefa de edição de Jackson. As tais mais de 7h30 que apetece rever de imediato.
À disposição de Jackson todo esse material capaz de facilitar uma montagem orgânica, e de permite, em certos momentos, um ritmo de mise en scène, que aproxima o olhar de (quase) 2022 daquele final da década de 60. Por exemplo, analisar com todo o pormenor, a intervenção timorata da polícia, durante o concerto, colher as opiniões dos transeuntes, de certa forma a cristalizar o fim de uma geração. Bem como de uma utopia musical e política.