Terça-feira, Outubro 8, 2024
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Terry Gilliam “descobri o Mosteiro de Tomar no Google Earth. Acho um local fantástico!”

Chega ao fim a odisseia de Terry Gilliam a tentar concretizar a sua adaptação à obra de Cervantes. Depois de muitos atrasos e problemas de produção, chega finalmente às salas nacionais, com produção da portuguesa Ukbar Filmes, de Pandora da Cunha Telles e Pablo Iraola, O Homem que Matou Dom Quixote, um título que nos remete até para um título semelhante do John Ford, O Homem que Matou Liberty Valance. Pois tal como nesse filme de 1962 (portanto há 60 anos) a interpretação dos factos acontecidos acabou por criar uma lenda que se impôs à própria realidade. Nós acabamos por participar na lenda ao visitar o local de rodagem, no Mosteiro de Tomar, isto no dia 25 de Abril de 2017 (portanto há quase cinco anos), percebendo como Gilliam, o ex-Monty Python dirigiu Adam Driver e Jonathan Pryce. Um pouco mais tarde sentou-se com um pequeno grupo de jornalistas.

Depois de tudo o que passou para fazer este filme – e já lá vão quase vinte anos – parece que o próprio Terry Gilliam encara, de certa forma, o próprio Quixote?

Na verdade, são mais de vinte anos. Eu comecei este projeto em 1989. Portanto, é uma obsessão há muito tempo. Algo que passou de uma ideia a um pesadelo. Pelo menos é o que tem sido durante muitos anos. Mas ser eu o Quixote? Não sei… O que eu acho é que a partir do momento em que tentamos colocar o Quixote em cinema, é difícil não nos tornarmos em versões dele próprio. Aliás, só alguém como o Quixote poderia estar a fazer este disparate depois de tantos anos… Eu sou capaz de o viver, mas não seria capaz de o interpretar.

No entanto, não deixa de ser uma personagem muito nobre…

Sim, é nobre porque tem grandes ideais e sempre pode falhar. Ele nunca vê o mundo de uma maneira muito clara. Mas, para mim, vê-o de uma forma muito mais interessante que muita gente normal. Foi por isso também que o Quixote sempre inspirou muita gente. Ele é louco, completamente louco. Mas tenta algo muito mais além do que normalmente nos é permitido. É algo bastante dorido porque continua a sempre a falhar.

O que ficou da ideia inicial?

Quando li o livro pela primeira vez pensei interroguei-me como o público moderno compreenderia as diferenças entre o século XVII e o século XII. E cheguei à conclusão de que talvez só uma personagem moderna poderia guiar o público. Foi aí que cheguei à ideia de um publicitário. Na verdade, não poderia em algo mais baixo… (risos) Não poderia pensar num ser humano mais corrupto. Na versão em que o Johnny (Depp) aparece, regressa ao século XVII, uma pequena viagem no tempo. Tínhamos o Johnny, mas ele ia receber muito pouco dinheiro. Mas aborreci-me com essa ideia e pensei que poderíamos manter-nos no mundo moderno. Um mundo que é transformado pelo Quixote, no sentido que o publicitário consegue ver esse mundo, começa a acreditar nele. Nesta versão decidi lidar com a ideia do risco que é fazer um filme. Isso leva-me ao tempo em que fizemos O Cálice Sagrado, numa pequena aldeia na Escócia. Uma vila que foi transformada. Mulheres ficaram grávidas, casamentos que acabaram, crianças que acompanharam a equipa para Londres…. Enfim, tudo isso criou um efeito. Como se tivéssemos vindo, pilhado e violado a aldeia e partido… Quem quer saber, estávamos a fazer um filme! Mas isso tem sempre um efeito. Portanto, desta vez, quisemos fazer as coisas de uma forma séria.

Adam Dtiver e Jonathan Pryce em Tomar

De uma certa maneira, parece que o seu percurso foi semelhante ao de Orson Welles, não acha?

Talvez de uma certa forma. Na verdade, temos mesmo uma pequena homenagem ao Orson Welles. Talvez possam reconhecer no filme. Ele nunca acabou o seu filme, mas eu não quero parecer-me com o Orson Welles (risos). Até porque ele é um dos meus ídolos. Eu queria ser como ele. Mas acho que cheguei até perto de mais… (risos)

Conte lá o que aconteceu com o Johnny Depp?

Basicamente, com o tempo ele ficou demasiado velho para esse papel. Tive de começar tudo de novo. Sempre que recomecei fiz tudo de novo. Pareceu-me mais refrescante.

E como foi que surgiu o Jonathan (Pryce)?

Há vários anos que o Jonathan me tentava convencer para fazer o Quixote. E eu sempre procurei tipos mais velhos. Pensei no Robert Duvall, no John Hurt. Mas quando o John ficou doente, o Jonathan não estava disponível por isso fiquei com o meu amigo Michael Palin. Depois tivemos o nosso pequeno hiato o ano passado e ele cansou-se de esperar e decidiu fazer outra coisa. Entretanto, o Jonathan ficou disponível. Isto numa altura em que pensamos que o filme pode fazer-se sozinho. Eu não tomo decisões.

Em Tomar, Terry Gilliam dirige Adam Driver e Terry Gilliam (foto Paulo Portugal)

A escolha do Jonathan Pryce foi acertada. Ele está ótimo!

Pois está! Parece que todas as personagens shakespeareanas que ele fez estão neste filme, como partes do Don Quixote.

Em que medida acha que o que fez com este filme tem ainda algo a ver com o trabalho desenvolvido com os Monty Python? Acha que esse período vai sempre viver consigo?

Foi incrível esse tempo. Quando fizemos O Cálice Sagrado usámos cocos para fazer de cavalos. Agora tenho cavalos, o que nos fez atrasar o nosso plano de trabalho. Como na cena de hoje, ou se portam bem ou serão reduzidos a cocos… (risos) Eu já tenho muitas cicatrizes, mas nenhum processo se faz, como diz o Orson Welles, sem brincar um pouco. Mas isso é mentira, porque é imenso trabalho. Não verdade, eu não gosto nada de fazer filmes. Mas tenho de os fazer. Isto parece um tumor cerebral que tenho de remover. Isto para poder continuar com a minha vida. O Quixote é um vírus. Quando começamos temos de o acabar. Se não ficamos loucos, como ele.

Lembra-se como tudo começou?

Sim, foi depois de As Aventuras do Barão Munchausen (1988). O Jake Everett era o produtor executivo. Um dia fez um telefonema ele disse “tenho dois nomes e preciso de 20 milhões, um é o Gilliam o outro é Quixote”. E obteve o dinheiro. Isso foi em 1988. Depois li o livro. E depois disso e pensei isto é impossível. Esse é um dos problemas. É que levam sempre o livro muito a sério. Eu tentei livrar-me desse peso do Cervantes. Mas acho que tudo acaba por ser algo parecido com ele. Não sei.

O que mais o influenciou?

Foram os desenhos do Gustave Doré.

Só para terminar, como descreveria a sua experiência de filmar aqui em Portugal, em Tomar?

Estamos aqui em Portugal porque desde há um ano para cá somos uma co-produção portuguesa (Ukbar Filmes de Pandora da Cunha Telles e Pablo Iraola). Quando estava à procura de locais de filmagem no Google Earth dei com o Mosteiro de Tomar, acho um local fantástico. Um local extraordinário. Foi assim. A Joana que faz de Angelica não estaria no filme se não tivéssemos estado relacionados com Portugal. Portanto acabaram por ser duas extraordinárias surpresas. O que interessa é que estamos a fazer o filme por metade do dinheiro de há 17 anos atrás.

Tenho curiosidade na imagem da Santa Catartica, que irá ser queimada aqui no Mosteiro. Qual é a história dela?

A Santa Catartica vem de Las Faias em Valencia. Durante todo o ano angariam dinheiro e fazem uma enorme figura em papel mache. São satíricos, divertidos, políticos, são belos. Custa uma fortuna, mas um anoite pegam fogo a tudo. São mais de 100 figuras como esta. Eu estive lá com o Michael Palin em Maio num dos espetáculos dele e esta ideia de sacrifício ficou-me.

 

 

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